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Diz a lenda que Kerana, a bela filha de Mangaratu, foi sequestrada por Tau. É irônico pensar que mulher tão bela estivesse fadada a tal destino, pois Tau não era um pretendente qualquer; era um espírito maligno em forma carnal, personificação do próprio mau. Alguns dizem que a deusa da alvorada, Araci lançou uma maldição sobre eles... Outros dizem que foi Angaturipy, o espírito do bem... Seja lá quem estiver dizendo a verdade neste mundo de deidades fofoqueiras, o fato é que os deuses amaldiçoaram aquela desastrosa união, da qual nasceram; não sete crianças, mas sete monstruosidades. — Éder S.P.V. Gonçalves em A Rua dos Anhangás
E lá vai Kerana, correndo pela mata, tentando fugir de Tau... Mas não para sempre. Acontece que o "coisa ruim" dos Guarani consegue, após muita persistência, conquistar Kerana e juntos eles dão origem às criaturas mais fabulosas da mitologia das tribos tupi guarani. E dessas criaturas que vamos falar hoje.
Olá. Para quem não me acompanha aqui no blog, eu me chamo Éder S.P.V. Gonçalves; um escritor de histórias de fantasia sombria, mistério e terror. Dentre as obras que já publiquei, encontra-se "A Rua dos Anhangás", conto inspirado na mitologia guarani e do qual falo com mais detalhes neste post. Quando digo que essa obra é inspirada na mitologia de um dos povos aborígenes da América do Sul, eu não me refiro ao folclore que se formou nos países sulamericanos (sobretudo o Brasil) ao longo dos anos de colonização (ou invasão; que é como eu prefiro chamar a chegada dos Europeus nas Américas). Para escrever A Rua dos Anhangás eu quiz me afastar daquele folclore infantilizado e comercial que teve Monteiro Lobato como um dos seus principais expoentes. Então esqueça coisas como "O Sítio do Pica-Pau Amarelo", A Mula sem Cabeça e o Saci Pererê. Eu quiz ir mais longe no passado, a fim de encontrar os mitos "originais" do povo Guarani e, a partir deles, criar um conto de terror que fosse inspirado nessas antigas lendas.Foi aí que o problema começou: durante muito tempo eu não consegui encontrar muitas fontes de informação na internet. Quando eu encontrava, eram artigos da Wikipédia (em uma versão resumida), ou mesmo lendas que já haviam sido modificadas pela visão européia em alguma medida, pois segundo algumas desses mesmos artigos falavam sobre versões das lendas anteriores à chegada dos Jesuítas da Compania de Jesus e versões posteriores, influenciadas por estes.
Um bom exemplo disso é o próprio deus Tupã; antes da chegada dos europeus, esta era uma entidade menor na cosmogonia guarani, que na época adoravam principalmente a outra divindade. Se não me falha a memória esta era o Jurupari. Bom, acontece que os Jesuítas usaram de certa malandragem para catequizar as tribos ameríndias e, ao invés de forçá-los a aprender sua religião e se familiarizar com os nomes biblícos, eles resolveram vincular as entidades das tribos às entidades católicas. Dessa forma, eles disseram aos Guarani que o Jurupari era na verdade um ser ruim; o diabo, em outras palavras. Ao passo que Tupã (então visto pelos Guarani como uma divindade menor) era na verdade o grande Deus benevolente e criador de todas as coisas.
Depois de verificar a quantidade de versões da mitologia Guarani (na qual eu quiz focar como fonte de inspiração para o meu conto, por achar que teria mais facilidade para encontrar material de referência) que mencionavam Tupã como a sua principal divindade, eu resolvi desistir de ir tão longe para encontrar material original, anterior à chegada dos Europeus nas Américas, devido à extrema escassez de registros dessa época. Até mesmo porque, a maioria dos povos ameríndios, sobretudo nas terras que atualmente são ocupadas pela República do Brasil, não possuia língua escrita e sua transmissão de conhecimento era principalmente oral, passando para as novas gerações através do dialógo falado. E graças a isso os colonizadores foram (infelizmente) bem sucedidos em apagar boa parte do conhecimento e das histórias desses povos.
Para dizer a verdade, eu não desisti disso totalmente. Mas para escrever aquele conto, eu mudei a minha estratégia e resolvi então me basear nos registros mitológicos do povo guarani, anteriores ao surgimento do folclore brasileiro propriamente dito. Além disso, como estou falando de um povo que não ocupa apenas o território brasileiro, resolvi expandir minha busca para qualquer material que mencionasse as antigas lendas da mitologia guarani, não importando em qual país da América do Sul eu a encontrasse. Além disso, eu estava convícto de uma coisa, as florestas tropicais da América do Sul estavam repletas de histórias sombrias, esperando para serem relembradas e por isso parti em busca delas.
E foi assim que conheci "Os Sete Monstros Lendários" da mitologia Guarani. A princípio (se não me falha a memória) eu vi um vídeo no Youtube com uma dramatização que mostrava um desses monstros; o Aho Aho, perseguindo algumas pessoas em uma floresta. Infelizmente não me recordo qual era o vídeo, mas lembro que estava em espanhol e parecia ser um trabalho de estudantes ou algo do tipo. A partir dali eu fui pesquisar mais e encontrei um texto resumido na Wikipédia a esse respeito. Foi principalmente com base nesse artigo da Wikipédia que eu criei a primeira versão de "A Rua dos Anhangás", na qual eu menciono dois dos sete monstros lendários: o próprio Aho Aho e o Jaci Jatere, sendo que este último guarda muitas semelhanças com o "Saci Pererê" do folclore brasileiro.
Lembro que o Saci Pererê é uma lenda do folclore brasileiro, criada a partir de uma mistura de culturas, dentre elas a dos povos guarani; sobre a qual creio que o Jaci Jaterê seja o mito usado como base para o Saci Pererê, e também a cultura portuguesa e africana. Segundo este artigo sobre o Saci, na Wikipédia, é dito que as influências para a formação do Saci Pererê tal como o conhemos hoje em dia, são:
Influência de algumas tribos originais da América do Sul
Na cosmologia Guarani, a entidade Jaci Jaterê;
Na cosmologia Caingangue, a entidade Kambaí.
Influência Africana
Uma lenda iorubá que descreve Aroni: um gnomo de uma perna só que ensina a Oçânhim sobre o uso de ervas medicinais.
Influência Portuguesa
A lenda portuguesa do Trasgo, do qual o saci herdou o píleo, um gorrinho vermelho. Trasgos são criaturas rebeldes, de pequena estatura, que usam gorros vermelhos e possuem poderes sobrenaturais. Também é graças ao Trasgo que o Saci foi relacionados aos redemoinhos de vento aqui no Brasil.
Como eu não queria usar o folclore brasileiro moderno, foquei apenas na origem Guarani do Saci, ou seja, em um dos sete monstros: o Jaci Jaterê.
Jaci Jaterê na cosmologia Guarani
Ao contrário de sua versão brasileira (o Saci), o Jaci Jaterê é descrito como diferente de seus irmãos monstruosos, Jaci ostenta uma beleza peculiar, descrita como a de um homem baixo ou uma criança de cabelos dourados e olhos azuis. Munido de um cajado mágico, ele perambula pelas florestas, protegendo a erva-mate e os tesouros ocultos.
Mas Jaci Jaterê não se limita a ser um mero guardião. Ele é também o senhor da sesta, o tradicional descanso do meio-dia nas culturas latino-americanas. Segundo a lenda, Jaci abandona a mata e visita as aldeias em busca de crianças que desobedecem à sesta. Invisível aos olhos comuns, ele se revela apenas aos pequenos transgressores.
A punição para quem ignora o descanso sagrado é severa: o cajado de Jaci induz as crianças a um estado de transe ou catalepsia. Algumas versões contam que elas são levadas para um local secreto da floresta, onde brincam até o fim da sesta e recebem um beijo mágico que as devolve às suas camas, sem qualquer lembrança da aventura.
Outras lendas, porém, pintam um quadro mais sombrio. As crianças desobedientes podem ser transformadas em feras ou entregues ao irmão de Jaci, Ao Ao, uma criatura canibal que as devora sem piedade.
Claro que eu escolhi usar a versão mais sombria da lenda para compor o conto "A Rua dos Anhangás".
Aho Aho na cosmologia Guarani
Fiz o mesmo com o Aho Aho (ou Ao Ao, como também é grafado o nome desse monstro), eu escolhi a versão mais sombria da lenda como inspiração para um personagem do meu conto. O Aho Aho é descrito como uma criatura bestial com fome insaciável por carne humana. Descrito como um carneiro voraz com presas afiadas ou uma queixada gigante (eu acredito que a versão da queixada gigante faça mais sentido no contexto da versão original dos guarani), seu nome ecoa seu uivo aterrador: "Ao Ao Ao!".
Filho de Tau e Kerana, Ao Ao carrega algo parecido com uma maldição da fome eterna (na minha interpretação), devorando qualquer um que cruze seu caminho. Sua virilidade lendária o torna símbolo da fertilidade, mas essa força da natureza se transforma em terror quando ele caça. Não à toa, é dito que ele deixou numerosa descendência, a qual corria junto à ele pelas montanhas (mais um forte indício de que a versão original do mito referia-se às queixadas; um tipo de "javali" originário da América do Sul, animal conhecido por sua ferocidade que, de tão grande, são capazes de perseguir humanos pela mata. Algo que, aliás, é um relato comum no interior do Brasil).
Implacável, o Ao Ao (ou Aho Aho, conforme outras fontes registram seu nome) persegue sua presa sem descanso, cruzando qualquer terreno até saciar sua fome. Árvores não são refúgio seguro, pois ele as derruba com fúria implacável. Apenas a palmeira sagrada oferece proteção, mas subir em seus galhos é uma tarefa árdua e desesperadora.
Para aumentar o horror, Ao Ao se alimenta das crianças desobedientes entregues por seu irmão Jaci Jaterê. A punição para a desobediência é terrível, um lembrete constante do poder implacável da natureza e da necessidade de se manter no bom caminho.
Ao Ao é uma espécie de personificação da fome, da ferocidade e da força bruta da natureza.
Para o conto "A Rua dos Anhangás" eu misturei a origem da lenda do Aho Aho com a lenda européia do lobisomem. Me baseei no fato de que o Aho Aho deixou numerosa descendência que ainda vivem por aí, até os dias de hoje: pessoas amaldiçoadas a se transformarem em um monstro durante a lua cheia. Quando se transformam, tornam-se criaturas com uma aparência que lembra um javali humanóide com extrema força e um apetite insaciável por carne: principalmente a carne humana.
Sei que modifiquei o mito original e não há nenhum problema nisso, pois a minha ideia não era a de recontar os mitos originais dos Guarani, mas sim usar os mitos originais como fonte de inspiração para escrever um conto de terror.
Neste caso, esse conto nem de longe pode ser considerado fiel à tradição guarani ou às suas mensagens. Eu fiz algo parecido com o que os mangakás japoneses (ou, se você preferir, quadrinistas japoneses) fazem com as criaturas do seu próprio folclore: eles usam suas histórias tradicionais apenas para criar as bases de narrativas fantásticas mais modernas e, por isso, permitem-se deturpar as histórias originais (em parte ou totalmente) e às misturam com outras influências com o intuíto de criar uma nova obra.
Ainda assim, eu gostaria que esse conto ecoasse a essência dos mitos que lhe serviram de inspiração e por isso continuei buscando fontes de informação mais precisas do que os artigos que encontrei na Wikipédia.
A ideia desse post é principalmente elencar algumas fontes de pesquisa que usei como base de estudo sobre "Os Sete Monstros Lendários" da mitologia Guarani, para construir o carater das entidades que resolvi explorar no meu conto e, posteriormente nos meus contos, uma vez que "A Rua dos Anhangás" foi apenas a porta de entrada para que eu criasse uma série de roteiros (nos quais ainda estou trabalhando) para contos que exploram diversas entidades presentes na cosmologia Guarani (e às vezes também na mitologia de outros povos originários da América do Sul.
Até o momento, além de "A Rua dos Anhangás", eu possuo alguns roteiros mais ou menos elaborados para os seguintes contos (todos com nomes provisórios): O Clube dos Pesadelos; O Grafite que Bebia a Chuva e Via Sombria.
Resolvi reunir todos esses contos, cujas histórias estão interligadas, em uma coleção, que pretendo chamar de Vila Santa Morte.
Mas isso é assunto para um outro dia.
Fontes de pesquisa para Os Sete Monstros Lendários
Agora, faço uma lista das minhas principais fontes de pesquisa sobre "Os Sete Monstros Lendários". Espero que essa lista seja útil para os interessados nos mitos dos povos originários da América do Sul, sobretudo as lendas do povo Guarani. Destaco a importância de lembrar que os mitos dos povos originários da América do Sul não deixam a desejar aos mitos e folclore dos povos de nenhuma outra região do planeta e se existe uma explicação para o "brasileiro" conhecer mais sobre os mitos gregos, egípcios, sobre os yokais japoneses, etc, do que sobre as lendas das terras em que moram, é porque apagar a história dos povos originais foi um projeto de conquista do colonizador europeu, o qual (infelizmente) foi muito bem executado, primeiro por Jesuítas e Bandeirantes e depois pelos próprios governantes das colônias que por aqui se estabeleceram.
Enciclopédia livre: Mitologia Guarani, Wikipédia;
A edição número 198 da revista Ciência Hoje para crianças: apresenta um resumo da lenda dos sete monstros, em uma versão ligeiramente distinta da apresentada por Narciso R. Colman em sua obra Nuestros Antepassados;
Também o Dicionário de tupi antigo: a língua indígena clássica do Brasil de Eduardo De Almeida Navarro: o qual apresenta a explicação para alguns termos relacionados à lenda, como o nome do espírito maligno Tau, encontrado no dicionário como Taúba ou Taubymana;
Poema Nuestros Antepasados, de Narciso R. Colman: esse poema narra a cosmologia Guarani desde o seus primórdios, passando pela história dos sete monstros, desde o seu nascimento até a sua destruíção;
O blog portal guarani referência o Museu Mitológico do Paraguai “Ramon Elias”. Foi graças às imagens desse museu que eu pude elucidar as minhas dúvidas sobre a aparência do terceiro filho de Taû e Kerana, pois no poema Nuestros Antepasados de Narciso, a criatura, apesar de não possuir uma descrição direta de sua aparência, é descrita como podendo se sentar em sua cama e usar seus braços, dando a entender que sua aparência é antropormófica, apesar de monstruosa. Na edição 198 da revista Ciência Hoje Crianças, Moñai é descrito como um monstro antropormófico. Apesar disso, todas os artistas retratam Moñai como uma serpente com dois chifres e dentes afiados; conforme a imagem e a descrição que o artigo da Wikipédia faz dessa criatura. Pesquisando a imagem da Wikipédia mais a fundo, descobri que a foto usada lá, pertence a um acervo paraguaio e a partir disso pesquisei na internet pelos museus do Paraguai, até descobrir o Museu Mitológio "Ramon Elias", em que uma representação dos sete monstros lendários está esposta; inclusive "Moñai", que aparece exatamente conforme a foto no artigo da Wikipédia.Indico também o perfil no Instagran do Museu Mitológico "Ramon Elias", onde são postadas várias das representações em expostas no museu. Eu também convido a quem tiver interesse em fazer uma visita virtual ao museu abaixo, através do google maps.
Outra fonte de pesquisa bastante interessante é o site Povos Originais permite pesquisar pelo nome de uma entidade dentro de uma determinada cultura. Eu descobri esse site também enquanto estava tentando desvendar o mistério sobre a aparência de Moñai.
Assim, podemos dizer que a aparência dos Sete Monstros Lendários é descrita conforme descrevo a seguir...
Aparência aproximada dos sete monstros lendários
Teju Jagua – O primeiro e mais colossal filho de Taû e Kerana.
Ele possui a forma de um lagarto colossal com sete cabeças de "cão". Porém, eu tenho a opinião pessoal de que há um erro na tradução da palavra "cão".Acontece que os guarani não tinham uma palavra para se referir aos cães propriamente falando, de modo que em seu idioma não existia um vocábulo para cão ou cachorro. Quando os europeus trouxeram os cães para a América do Sul, os guarani passaram a usar a palavra que usavam para se referir à onça para também se referir aos cães; esta palavra era jagua (que é a raiz de outras palavras como jaguar; que é outro nome pelo qual povos originais das américas usam para se referir ao mesmo animal, isto é, a onça). Faz todo o sentido que Teju Jagua então, tenha sete cabeças de onça, ou de jaguar, conforme a preferência da tradução. Tanto é que o termo "jagua" faz parte do seu nome. Eu suspeito (mas não tenho certeza) que Teju significa algo como "Lagarto".
O primeiro filho do espírito maligno Taû e Kerana é tido como o mais poderoso dos irmãos amaldiçoados; ou um dos mais poderosos. No entanto e, talvez devido ao imenso poder dessa criatura, Tupã o tornou um ser pacífico, de modo que ele só matava quem invadia seu domínio para roubar seus tesouros: em algumas versões, as jóias da terra, em outras o "ouro da floresta"; ou seja, suas frutas e o mel de que se alimentava. Ele era considerado o dominador das cavernas e protetor das frutas.
Algumas versões dizem que o fato de ele não ter sido tão destrutivo era o seu imenso tamanho, que lhe dificultava a locomoção.
Como eu não encontrei nenhuma representaão de Teju Jagua tal como eu suspeito que os antigos Guarani devam o ter imaginado, isto é, com cabeças de onça ao invés de cachorro, eu usei uma ajudinha da I.A. da Wombo arte para gerar a imagem acima (ainda assim não foi fácil obter essa imagem, pois, por algum motivo, a I.A. da Wombo não tem muita facilidade para desenhar criaturas com multiplas cabeças).
Mbói Tú'i – (Víbora papagaio) cobra de tamanho colossal com bico de papagaio.Em alguns lugares também é dito que o seu pavoroso grito é capaz de quebrar as costelas de seu alvo de tão poderoso que é.
Moñái – Terceiro filho de Taû e Kerana . Senhor dos campos, do ar e dos pássaros. Protetor do roubo (creio que o mais correto seria dos ladrões) e travessuras.
Segundo algumas fontes, era um monstro humanoide. Outras fontes, porém, o descrevem como uma serpente com dois chifres iridescente que funcionam como e dentes compridos e afiados. Ele sobe e desce das árvores com facilidade, para capturar os pássaros dos quais se alimenta. Também é dito que ele pode hiponotizar as aves com seus chifres e por isso é dito que ele é o senhor do ar.
Algumas versões a descrevem como uma cobra da espessura de um tronco, com não mais que um metro de comprimento, que causava a morte de quem a via.
Jasy Tere, Jasy jatere ou Jasy atere (Fragmento da lua) – O quarto filho de Taû e Kerana. Vou usar a descrição do site povos originais para falar do Jaci Jaterê, pois ela é mais detalhada.
É considerado o Cupido Guarani, portador da fertilidade.
É um menino lindo, pequeno, nu, de cabelos dourados ondulados, carregando um bastão dourado, como uma varinha mágica, fonte de seu poder mágico de atração, que nunca abandona, e um apito com o qual imita a canção de. um pássaro
Acredita-se que viva em cavidades nos troncos de grandes árvores florestais. Jasy Jatere fica solto durante a sesta, principalmente na época do avatiky (milho novo), que ele gosta de comer.
Protetor das abelhas e do ka'a-rovichá ou erva da bruxaria. Ao beijar um menino na boca em sinal de carinho, ele se torna estúpido e mudo, e depois o abandona. Diz-se que ele captura as crianças para levá-las ao seu irmão canibal Aó-Aó .
Para conquistar a amizade de Jasy Jatere, as pessoas costumam deixar tabaco em casa ou nos caminhos que levam à floresta.
Quando Jasy Jatere perde seu bastão e seu apito fica inofensivo, pois perdeu a magia. Acredita-se que uma forma de se apoderar desses símbolos de seu poder é embriagá-lo, já que ele gosta de beber.
Kurupi – O quinto filho de Taû e Kerana. Espírito de sensualidade, dominador das selvas e dos animais selvagens. Ele tem a aparência de um homem bastante baixo e atarracado, muito moreno e baixo, com orelhas pontudas e mãos e pés peludos. Não tem articulações, então seu corpo é inteiro. Em algumas versões ele está com os pés para trás tornando muito difícil segui-lo. Porém, sua principal característica é o órgão gênital enorme e muito comprido que usa enrolado na cintura e com o qual consegue atrair mulheres à distância para engravidá-las. Nas montanhas existe uma espécie de cipó com o nome kurupi rembo .Não sei o quanto este monstro mitológico está relacionado ao Curupira do folclore brasileiro, mas suponho, pela proximidade dos nomes, que haja sim alguma ligação entre eles.
Aho-Aho – Sexto filho do espírito maligno Taû e Kerana. Era visto como o Espírito da fertilidade. Ele procriou de tal maneira que seus descendentes foram muito numerosos. Ele se considerava o dominador das colinas e montanhas.
Ele é descrito como um monstro com pele de ovelha, garras e cabeça de javali. Sua aparência é assustadora, ele tem a capacidade de se reproduzir sozinho, por isso é considerado uma divindade da fertilidade. Vive em grandes rebanhos nas zonas mais inóspitas de serras e montanhas (motivo pelo qual eu acredito que ele é inspirado nas queixadas: javalis selvagens da América do Sul).
Segundo a tradição, os Ao-Ao viviam como javalis em grandes rebanhos e, por serem canibais, perseguiam as pessoas. Faz sentido ele ser retratado como um canibal, afinal, apesar de ser um monstro, ele também era humano, por ser filho de Kerana, motivo pelo qual eu creio que ele também é retratado não apenas como um quadrupede, mas também como uma espécie de javali humaníde: algo parecido com um lobisomem, porém metade javali e metade humano. Quando estes, para fugir deles, subiram numa árvore corpulenta, cercaram-na gritando em coro: Ao-Ao Ao-Ao ! Eles então cavaram as raízes e viraram a árvore para devorar suas vítimas. Mas aqueles que subiram numa palmeira foram salvos, porque esta planta tinha uma virtude secreta contra eles.
Huiso, huicho, Luisón ou Lobisón – Sétimo filho do espírito maligno Taû e Kerana. Senhor da noite e companheiro inseparável da morte. Aqui eu vou transcrever completamente a descrição do Luison segundo o site povos originários, pois achei sua descrição muito interessante:
Luison é o sétimo e último filho de Taú e Keraná , sobre quem caiu a maior maldição que pesou sobre seus pais. Seu nome por si só aterroriza. Este ser aterrorizante está localizado na encruzilhada dos caminhos da vida e da morte.
Seus domínios são cemitérios. Ele vive da carne dos mortos. Ele é feio, com cabelos longos e sujos, com uma palidez mortal e um odor fétido, causando nojo e terror.
LuissonÀ medida que as sombras da noite começam, Luisón perde suas formas humanas para se transformar em um cão de aparência horrível, com dentes afiados de diferentes tamanhos, seus membros são metade humanos, metade garras.
À meia-noite, com olhos vermelhos brilhantes como duas brasas acesas, ele sai em busca de seres humanos para transformá-los em outras luisons, o que consegue passando por baixo das pernas dos homens que encontra em sua caminhada maligna. O cheiro nauseabundo que o acompanha e sua aparência congelam o sangue e enlouquecem as vítimas que se deixam apanhar.
Luisón vive em cemitérios e cemitérios, alimenta-se dos cadáveres que ali desenterra. Pode ser ouvido nas noites de lua cheia, quando emite seus uivos aterrorizantes sobre os túmulos.
Com as primeiras luzes do novo dia, eles retornam às suas formas humanas e voltam às suas ocupações, onde parecem sujos, cansados e esquivos.
O Luisón é capaz de fazer o homem perder sua condição humana, transformando-o em uma fera e demônio punitivo. Devora a carne dos mortos e a alma dos vivos. Os Guarani não conhecem desgraça maior que esta, por isso fogem dele. É o equivalente sul-americano do "Lobisomem" europeu .
A maior parte dos artistas, brasileiros ou estrangeiros, retrata os sete monstros lendários mais ou menos conforme a descrição acima.
É interessante notar que mesmo após pesquisar por muito tempo, não encontrei nenhuma fonte que possamos chamar de original, isto é, narrada por escritores que pertençam aos povos originais. Apesar da literatura indígena (eu confesso que não estou bem certo de que este é o termo correto) ainda esteja crescendo, ainda há muito o que ser registrado. Mas isso suscita uma dúvida em mim e é exatamente por causa dela que eu nunca deixei de pesquisar por fontes; as mais origináis possíveis, sobre os mitos dos povos originais da América do Sul. O quanto as versões presentes nas fontes acima estão influênciadas pela visão dos colonizadores? O quão próximas elas estão das lendas originais?
E por falar em lendas...
Transcrevo abaixo a Lenda dos Sete Monstros conforme o poeta Narciso Ramon Colman apresenta em sua obra "Nuestros Antepasados". Apesar da história não estar sendo narrada diretamente por um representante dos Guarani, creio que o trabalho de Narciso foi bastante interessante no sentido de apresentar ao mundo e de forma muito respeitosa a mitologia do povo Guarani.
A Lenda dos Sete Monstros
Nas profundezas da mitologia Guarani, um evento terrível se desenrola, prenunciado pelo sábio Tumê: a lembrança das três primeiras mortes da Era Guaranítica se esvai, engolida pela lua cheia. Mas logo, um acontecimento de proporções épicas surge no horizonte, esculpindo-se na memória coletiva e marcando o nascimento da mitologia e das tradições desse povo.
No seio da tribo, vivia Kerana, neta de Sypãve e filha mimada de Marangatu. De beleza estonteante e conhecida como uma deidade do sono de tanto que ela dormia, a jovem era adorada por todos. Mas a sombra do mal pairava sobre ela. Taû, o espírito maligno, cobiçava-a em silêncio e, disfarçado de um belo jovem, conquistou seu coração.
Sete dias de encontros secretos se passaram, até que Taû tentou sequestrar Kerana. Angatupyry, o espírito do bem, intervém na defesa da jovem, e os dois travam uma batalha feroz que dura sete dias e noites. Taû, derrotado, recorre à ajuda de seu avô Pytajovái, o Deus da coragem e do fogo da destruição (na obra ele também é citado como uma espécie de divindade da Guerra).
Com a força de Pytajovái, Taû leva Kerana cativa, gerando a ira do povo que clama por justiça à deusa Arasy. Esta, por sua vez, responde com uma maldição terrível: Kerana dará à luz monstros.
E assim, a maldição se cumpre. Após sete luas cheias, ou sete meses, Kerana dá à luz seu primeiro filho monstruoso: Teju jagua, um colossal dragão com sete cabeças de cão (creio que no original, o termo cabeça de cão referia-se mais a cabeça de onça do que do "cachorro" europeu, visto que o termo "cão" e "cachorro" não existia no idioma dos Guarani e, por isso, quando viram os cães vindos da europa pela primeira vez, usaram o mesmo termo que usavam para se referir à onça, a qual chamavam de Jagua ou Jaguar e que, por acaso, é uma das palavras que compõe o nome deste primeiro filho de Taû e Kerana).
Daí por diante, a cada sete meses, um novo monstro nasce: Mbói Tu'î, a serpente-papagaio; Moñái, o senhor dos campos; Jasy Jatere (também grafado Jaci Jaterê), o homenzinho dourado; Kurupi, o deus da sensualidade; Ao-Ao (também grafado Aho Aho), o senhor da fertilidade; e por fim, Huicho (também grafado Luison), o senhor da noite e da morte.
Esses seres, deturpados pela natureza, revelam desde cedo sua índole diabólica, aterrorizando a tribo. Teju jagua, o mais horrível por sua feiúra, é inofensivo por ordem de Tupã. Mbói Tu'î torna-se protetor dos anfíbios e da umidade. Moñái, senhor do ar e dos pássaros, combate o roubo. Jasy Jatere, guardião da erva-mate e das abelhas, possui uma varinha que o torna invisível. Kurupi, dominador da selva, é conhecido por sua sensualidade desenfreada. Ao-Ao, senhor das colinas, é um canibal devorador de homens. E Huicho, companheiro das Parcas, reina sobre os cemitérios e se alimenta da carne dos mortos.
Aos sete anos, esses monstros atingem seu poder máximo, e Kurupi se destaca por seus raptos de virgens. Porém, a prole de Kurupi, de origem maligna, é condenada por Tupã a morrer após sete dias do seu nascimento, de modo a poupar o mundo de uma orda de criaturas como Kurupi.
Moñái, o ladrão, se instala em uma caverna, acumulando seus roubos. O caos se instala entre o povo, incitado pela influência maligna dos monstros. Assassinatos, 35tupr0s e incêndios se multiplicam, gerando um clima de terror e desespero.
Assim, a maldição de Taû se espalha como uma praga, distorcendo a paz e a harmonia da tribo Guarani. Os sete monstros, nascidos da paixão proibida e da vingança, se tornam símbolos do mal e do caos, moldando a mitologia e as tradições desse povo por gerações.
Conclusão
Após todos esses anos estudando uma coisa aqui e outra ali sobre a mitologia dos povos originais, eu percebi que cada vez mais há pessoas interessadas nesse assunto; escritores, leitores e pessoas que gostam de folclore e mitologia. Fico contente também ao perceber que aos poucos, as novas gerações de criadores de conteúdo estão percebendo o quão rica é a nossa cultura e também a cultura dos povos originais dessa terra que hoje chamamos Brasil e, indo mais além, América do Sul. Há muitas histórias, lendas e lugares extraordinários aqui, bem perto do povo sulamericano: lugares que podem ser maravilhosos, mas que também podem ser o palco perfeito para inspirar histórias sombrias e assustadoras. Eu defendo que o gênero gótico cabe perfeitamente no clima tropical de nossa nação e trabalho para que o "gótico tropical" ganhe cada vez mais força.
Sobre a história mitológica de "Os Sete Monstros Lendários", filhos amaldiçoados de Kerana e do espírito maligno Taû, deixei as minhas fontes de pesquisa elencadas nesse post (acima), para aqueles que se interessam pelo assunto poderem conferir as várias versões dessa lenda que eu encontrei pesquisando na internet.
Caso alguém tenha outras fontes de informação sobre esta lenda ou sobre quaisquer outra lenda do povo Guarani, peço que compartilhe comigo nos comentários.
Me digam também se vocês concordam que o nosso clima tropical pode ser um palco perfeito para histórias sombrias, góticas e de fantasia sombria (ao contrário do que a critica literária já dizia na era dos autores clássicos brasileiros).
Se tiverem visto o Jaci Jaterê por aí ou algum dos seus terríveis irmãos, não deixem de me avisar, pois eu preciso tratar com eles sobre os meus roteiros incompletos...
E por falar nisso, vou ficando por aqui, pois tenho ainda muito no que trabalhar para completar alguns textos e poder, finalmente, republicar a nova versão de A Rua dos Anhangás e os novos contos ambientados no estranho e sinistro bairro Santa Maria (também apelidado de Vila Santa Morte pelos moradores preocupados com os estranhos eventos ocorridos na região). 🎃