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Esse é mais um Caos Diário, que é quando escrevo para por alguma ordem na minha confusão mental. Então hoje vou apenas divagar e refletir em torno de ideias um pouco esparsas.
Nos últimos dias... Não, já se vão semanas em que eu tenho trabalhado muito, dormido pouco e por aí vai a coisa (ou não vai, dependendo do ponto de vista).
Tenho muitos planos para esse ano; projetos familiares, meus hobbies e um projeto pessoal.
Infelizmente eu comecei esse ano com menos tempo disponível que de costume, devido à carga de trabalho mencionada e também devido a um trabalho (quase filantrópico) ao qual eu me propus por um tempo (e que é em parte responsável pela carga de trabalho extra que está comprometendo minha agenda para os meus projetos pessoais).
Felizmente, o meu prazo para encerrar esse trabalho filantrópico está se aproximando e, após concluí-lo, retomo minhas atividades costumeiras (meus livros, podcasts, desenvolvimento de jogos, etc).
Pode parecer egoísta eu querer que um trabalho de natureza essencialmente altruísta se encerre logo. Apesar de eu não querer entrar muito em detalhes (não hoje) sobre os detalhes desse trabalho, ocorre que a parte do que eu me propus a fazer eu já fiz. Já ajudei muitas das pessoas que eu queria ajudar. Mas, infelizmente, eu tenho que lidar com muito mais pessoas além dessas e, dentre todas elas, há algumas que sendo bem franco, despertam em mim o oposto da filantropia: que é a misantropia. Eu já tenho uma tendência (desde a infância) a desgostar da espécie humana: essa característica não nasceu comigo; eu desenvolvi isso com minha vivência... Mas isso é história para uma outra hora.
Claro que continuo sendo uma pessoa altruísta por natureza; não falo isso como uma forma de me gabar. Por exemplo, há muitas pessoas que podem ser imbecis ao mesmo tempo em que são altruístas. Ou pessoas altruístas que são extremamente chatas e arrogantes. A maioria das pessoas é assim; entidades cujas auras cinzentas variam de tom o tempo todo.
Neste aspecto, sou altruísta por natureza, mas nas circusntâncias certas encarno uma personalidade sombria, misantrópica, taciturna e extremamente amarga... Mas felizmente estas circustâncias não ocorrem com frequência (não, se eu não deixar).
Bom, enquanto meu trabalho filantrópico não se encerra (na verdade, enquanto eu não renuncio a ele), vou trabalhando em meus hobbies de pouco em pouco, grão por grão, gota por gota. E também vou me entretendo com arte, filosofando e refletindo sobre uma coisa ou outra. É impressionante como a arte nos dá perspectivas mais amplas e nos ajuda a nos visualizarmos e a nossa situação com maior amplitude.
Hoje, por exemplo, me lembrei de um poema que conheci por causa da série O Mentalista (The Mentalist no original). O poema em questão é O Tigre (The Tiger) de William Blake. O poema me veio à cabeça enquanto eu refletia sobre a natureza humana e suas inumeras possibilidades.
Esse poema representa a filosofia do antagonista da série O Mentalista (mas não vou dar muitos detalhes sobre isso para não dar spoiler da história, apesar de ser uma série já bem antiga e super conhecida).
A mensagem que William Blake quiz passar com os versos de O Tigre é que o mesmo Deus que criou o cordeiro, também criou o tigre. Acho que não é preciso muito para compreender o peso dessa reflexão: Deus criou a vítima e também o seu assassino, visto que o tigre se alimenta do cordeiro. Diante dessa visão, ser um predador, um assassino, um ceifador de vidas, não seria ir contra a vontade de Deus, uma vez que o assassinato é obra desse mesmo Deus. Essa é a filosofia de vida do serial killer conhecido como Red John em O Mentalista.
Bom, claro que eu não concordo com essa visão do Red John. Há um personagem chamado abade Faria em O Conde de Monte Cristo (meu livro de cabeceira) que diz uma frase para o jovem Edmond Dantes, quando este vislumbra com certa naturalidade a possibilidade de cometer um assassinato para fugir da prisão. Eis o que o abade Faria diz:
"O tigre, que derrama sangue por natureza, cuja essência e destino é este, não precisa senão de uma coisa, que seu olfato o avise que ele tem uma presa ao seu alcance. Ele imediatamente precipita-se sobre tal presa, cai em cima dela e a dilacera. É seu instinto, e ele o obedece. Mas ao homem, pelo contrário, repugna o sangue; não são as leis sociais que coíbem o assassinato, são as leis naturais."
Eu penso um pouco parecido com o que diz o abade. A natureza humana é mais altruísta do que prega Red John. Mas é claro que a natureza humana, embora cheia de pureza a princípio, pode ser manchada por sua vivência social. Eu diria até que manchada com muita facilidade.
Como diria Sartre (filósofo nascido e falecido no século passado), o inferno são os outros. Na minha opinião, esse inferno que são os outros pode nos transmutar de seres altruístas para pessoas misantrópicas e também em verdadeiros demônios em alguns casos.
Essa situação é tema de outra série que eu gosto muito: Stranger From Hell, série coreana que assisti na Netflix há algum tempo. Infelizmente a série não está mais no catálogo da Netflix.
Em Strangers From Hell, um jovem escritor vai morar em uma pensão (chamada Hotel Éden, se não me engano). O problema é que os vizinhos e a gerente desse hotel não são pessoas muito normais... E eu não vou explicar mais o que acontece nessa série maravilhosa de terror psiciológico para não dar spoiler. O importante é saber que ela fala sobre isso: a transformação de uma pessoa em sua pior versão diante da pressão e abandono social.
Mas vou tentar retomar o fio da meada... Embora esse fio não pareça ter uma meada, afinal, estou apenas divagando sobre meus fantasmas internos.
Eu falava sobre o poema O Tigre, e sua terrível mensagem que questiona a defesa da moral e do altruísmo em nome de um Deus que é ironicamente criador ao mesmo tempo do cordeiro e do tigre.
Uma outra interpretação do poema (e que acredito estar alinhada com a filosofia de Red John, apresentada na série através de seus atos) é que somos livres para fazer o que desejarmos fazer; uma vez que Deus nos fez assim: capazes ao mesmo tempo de benevolência e malevolência.
Mesmo não concordando com a filosofia de Red John, penso que o poema serve de alerta para todos nós. Somos capazes de tudo, uma vez que foi assim que essa misteriosa entidade criadora nos fez (ou seja lá qual for a sua crença a esse respeito). Neste caso, temos que nos vigiar com atenção, e nos analisar, para não sermos nem cordeiros (vitimados pelos tigres que abundam no mundo) e nem tigres (guiados por uma gula infantil e cega até cairmos em alguma armadilha feita por caçadores).
Pode parecer bobagem e talvez alguém pense "bom, eu não estou pensando em matar ninguém, porque vou me preocupar com isso?". A verdade é que o Tigre do poema O Tigre é visto como uma metafora para o assassino e o assassinato na série O Mentalista. Porém, William Blake faz dele uma analogia mais ampla, capturando a figura do predador; não apenas o predador que mata a presa como um assassino, mas no sentido amplo da palavra.
Quem de nós pode garantir que não foi um pouco predador da felicidade alheia? Há pessoas por aí que predam a esperança de crianças, a paz de espírito dos vizinhos, a tranquilidade dos semelhantes, o dinheiro das carteiras, a comida das mesas, a sanidade, etc.
Quero dizer com iso que não temos noção do poder que temos; não apenas para o mal, mas também para o bem. Acreditem, temos um poder imenso de fazer o bem.
Mas nunca pensamos sobre essas coisas. Sobre como vamos exercer nosso livre arbítrio; se vamos ser cordeiros, tigres ou se vamos ir além dessas ideias e nos tornarmos algo maior que isso e tomar em nossas mãos a responsabilidade sobre nossas ações.
Red John fez isso: mas escolheu usar o seu senso de poder para fazer o mal, satisfazendo unica e exclusivamente seu prazer doentio.
Quanto a mim, estou muito longe de conseguir seguir meu próprio conselho com perfeição (e cada dia traz um novo aprendizado).
E para quem gosta de tigres e de poemas, eu tenho mais alguns posts no Blog que podem interessar, como o poema O Tigre e o Pescador (que eu mesmo escrevi e que foi muito inspirado pelo Tigre de Willian Blake) e um dos posts sobre a minha crônica como escritor, onde explico o motivo de eu ter composto esse poema (para adicioná-lo em um livro de fantasia sombria no qual estou trabalhando) e um post onde falo sobre os Tigres Dentes de Sabre (que na verdade não são tigres e sequer pertencem à mesma família, como costumamos pensar).
Abaixo transcrevo o poema O Tigre (em português):
O Tigre
Tigre, tigre que flamejas
Nas florestas da noite.
Que mão que olho imortal
Se atreveu a plasmar tua terrível simetria ?
Em que longínquo abismo, em que remotos céus
Ardeu o fogo de teus olhos ?
Sobre que asas se atreveu a ascender ?
Que mão teve a ousadia de capturá-lo ?
Que espada, que astúcia foi capaz de urdir
As fibras do teu coração ?
E quando teu coração começou a bater,
Que mão, que espantosos pés
Puderam arrancar-te da profunda caverna,
Para trazer-te aqui ?
Que martelo te forjou ? Que cadeia ?
Que bigorna te bateu ? Que poderosa mordaça
Pôde conter teus pavorosos terrores ?
Quando os astros lançaram os seus dardos,
E regaram de lágrimas os céus,
Sorriu Ele ao ver sua criação ?
Quem deu vida ao cordeiro também te criou ?
Tigre, tigre, que flamejas
Nas florestas da noite.
Que mão, que olho imortal
Se atreveu a plasmar tua terrível simetria ?
— William Blake