Saudações, meus caros leitores e leitoras! Que as sombras da noite nos envolvam enquanto nos aprofundamos em mais um dos muitos mistérios que jazem ocultos nas brumas do tempo. Acendam suas velas, pois a jornada de hoje nos levará às terras do sol nascente, a um Japão feudal, onde o aço e a lenda se entrelaçam na forma de uma espada que sussurra segredos e ceifa pesadelos. Falaremos da enigmática Onimaru.
Muitos de vocês, aventureiros por essas páginas, já se deixaram levar pelas histórias das espadas lendárias. Lâminas que não são meros metais forjados, mas extensões de mitos e poderes que ecoam através das eras. Em meu almanaque de Espadas Lendárias, esta categoria que busco expandir, a Onimaru ocupa um lugar de destaque, não apenas por sua beleza e qualidade artística, mas pelos contos que a cercam, permeados de horrores noturnos e a intervenção de uma força que desafia a compreensão.
Os Sussurros do Passado: A Lenda da Onimaru
A história da Onimaru é tecida com fios de escuridão e desespero, remontando ao período em que Hōjō Tokiyori era o quinto Shikken do Xogunato Kamakura. Em uma época de turbulência e poder, mesmo os mais poderosos não estavam imunes aos tormentos da mente, e Tokiyori era assombrado por pesadelos terríveis, visões que rasgavam o véu da noite e não lhe davam descanso. A escuridão parecia se infiltrar em sua alma, corroendo sua paz.
Em meio a esse tormento, a lenda conta que uma noite, no ápice de seu desespero, Tokiyori sonhou com um homem idoso. Não um homem qualquer, mas a própria essência da katana, um espírito antigo que se manifestava para oferecer uma saída da prisão onírica. O espírito revelou que o sofrimento do líder vinha de um ogro, uma criatura demoníaca que se apegava a ele, alimentando-se de seu medo noturno. A promessa era clara: se Tokiyori limpasse a espada que estava manchada, o espírito o livraria do demônio.
Ao despertar, a imagem do sonho ainda vívida, Hōjō Tokiyori pegou a espada, uma lâmina forjada por Awataguchi Kunitsuna, um mestre espadachim cujas mãos moldavam o metal com uma sabedoria ancestral. O líder, sem hesitar, começou a limpar a katana, polindo o aço que, segundo a visão, estava sujo não apenas de terra, mas de uma impureza espiritual. O ritual de limpeza era um ato de fé e de desespero.
E então, o inexplicável aconteceu. No momento em que Tokiyori terminava sua tarefa, a espada Onimaru, com uma vontade própria, moveu-se por si só. Em um lampejo assustador, ela caiu e fatiou o pescoço de um demônio de prata (um oni) que fazia parte da decoração de seu quarto. Não era uma criatura de carne e osso, mas um símbolo, uma representação do horror que o assolava. A Onimaru cortou a raiz do mal, e desde aquela noite, os pesadelos de Hōjō Tokiyori cessaram, libertando-o da prisão mental. Em gratidão e reconhecimento do poder sobrenatural da lâmina, ele a nomeou Onimaru, o "Demônio Circular" ou "Círculo Demoníaco", um nome que encapsula a dualidade de sua origem mística e seu poder de exorcismo.
Essa narrativa, que se perde entre a história e o folclore, é um testemunho da profunda crença na natureza mística das espadas japonesas, onde o ferreiro e o ambiente de forja podiam transferir uma "força" sobrenatural para a arma. Para os samurais, a espada não era apenas um instrumento de guerra, mas a própria extensão de seu corpo e mente, um meio de buscar justiça e purificar a alma, capaz até mesmo de "cortar" as impurezas mentais. A Onimaru é um exemplo vívido de como a lenda e a crença se manifestavam na vida dos guerreiros.
A Lâmina Nascida do Medo: Quem Forjou Onimaru?
A Onimaru é atribuída ao mestre espadachim Awataguchi Kunitsuna. Embora os detalhes sobre sua vida e obra sejam mais escassos nas fontes do que, por exemplo, os de um ferreiro lendário como Masamune Okazaki, a conexão de Kunitsuna com uma das Cinco Espadas Sob os Céus já o coloca em um panteão de habilidade e reconhecimento incomparáveis.
No Japão feudal, a forja de uma katana era um processo longo e complexo, onde a arte e a experiência do criador eram fundamentais. Mestres como Masamune eram reverenciados por sua qualidade e beleza superiores em suas lâminas, mesmo com o aço da época sendo frequentemente impuro. A arte do forjamento não era apenas uma técnica, mas uma expressão de filosofia e intenção, onde o sentimento do ferreiro podia influenciar a própria essência da espada. A Onimaru, nas mãos de Awataguchi Kunitsuna, transcendeu o mero metal para se tornar um artefato de poder singular.
As espadas japonesas (nihon-to) são caracterizadas por sua forma, método de fabricação, têmpera e polimento. A técnica do hamon, o efeito visual que cria belos padrões no fio da lâmina, é resultado do processo de endurecimento e da aplicação de argila antes do resfriamento, resultando em um gume mais duro e mortal. A perfeição de técnicas como o nie (cristais martensíticos em perlita, que se assemelham a estrelas no céu noturno) era uma marca de mestres como Masamune. Embora as fontes não detalhem as características específicas da Onimaru em termos de seu hamon ou nie, é de se inferir que, sendo uma das Cinco Espadas Sob os Céus, ela possuía uma excelência técnica e artística equivalente, ou mesmo superior, às mais renomadas lâminas.
As Cinco Espadas Sob os Céus (Tenka-Goken)
A Onimaru não está sozinha em seu status lendário; ela pertence a um grupo seleto de cinco espadas conhecidas como “Tenka-Göken” (天下五剣), que significa “Cinco Espadas Sob os Céus”. Este grupo é composto por katanas lendárias que surgiram durante o período Muromachi e são consideradas de valor inestimável, muitas delas classificadas como Tesouros Nacionais ou Relíquias Imperiais do Japão. A importância de se conhecer a cronologia das espadas japonesas (nihon-to) reside justamente na capacidade de apreciar os detalhes e a evolução da forma e processo de fabricação que levaram à criação dessas espadas com características semelhantes, apesar das diferenças individuais de cada artesão.
Além da Onimaru, as outras quatro espadas que compõem este panteão de lâminas míticas são:
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Dōjigiri (童子切): Conhecida como uma das cinco melhores katanas, a Dōjigiri é por vezes referida como o “yokozuna de todas as espadas japonesas” devido à sua perfeição inigualável. Sua qualidade e valor artístico são excelentes, e ela é de grande valor histórico como uma das armas mais antigas existentes do tipo katana. A lenda que a envolve é notável: Minamoto no Yorimitsu teria usado esta espada para matar o ogro Shuten-dōji. Atualmente, a Dōjigiri é mantida no Museu Nacional de Tóquio, mas sua exibição pública é restrita a períodos específicos.
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Juzumaru (数珠丸): Embora as fontes forneçam menos detalhes sobre a Juzumaru em comparação com suas irmãs lendárias, ela é firmemente estabelecida como uma das Tenka-Goken. Sua presença neste grupo já atesta seu status de importância lendária dentro da mitologia japonesa das espadas. Assim como outras lâminas desse grupo, sua reputação é construída sobre séculos de histórias e reverência, solidificando seu lugar entre as espadas mais veneradas do Japão.
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Mikazuki Munechika (三日月宗近): O nome desta katana significa “Lua crescente”, uma alusão à sua bela curva. Ela é uma das katanas mais antigas e remanescentes, produzidas no século X, tornando-a uma relíquia viva da história do forjamento de espadas japonês. A Mikazuki Munechika também está guardada no Museu Nacional de Tóquio, um santuário para tesouros como ela. Curiosamente, a linhagem do ferreiro que a criou, Munechika, continua a produzir espadas na cidade de Nara até hoje, mantendo viva uma tradição ancestral que atravessa milênios.
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Ōtenta (大典太): A Ōtenta era um tesouro pessoal de Maeda Toshiie, uma figura de destaque na história japonesa. Notavelmente, sua largura de 3,5 cm a torna muito mais larga que uma katana comum, conferindo-lhe uma presença imponente. Juntamente com a Onimaru e a Futatsu-mei, a Ōtenta foi considerada uma das três espadas de regalia dos xoguns do clã Ashikaga, sublinhando seu profundo significado político e espiritual. Lendas adicionais contam que a espada curou uma das filhas de Toshiie e que nenhuma ave se aproxima do local onde ela está armazenada, sugerindo uma aura de mistério e poder protetor. Atualmente, a Ōtenta é mantida por Maeda-ikueikai e, assim como a Onimaru, raramente é vista em exibição pública.
A existência da Tenka-Goken e o prestígio associado a cada uma delas demonstram a reverência com que as espadas eram tratadas no Japão, não apenas como armas, mas como objetos de arte e símbolos de poder, história e, em alguns casos, intervenção divina ou mística.
Onimaru Hoje: Um Tesouro Oculto
O destino de uma espada lendária é, muitas vezes, o de se tornar um tesouro guardado, uma relíquia de um passado glorioso, e com a Onimaru não é diferente. A espada, com sua história de exorcismo de pesadelos, é atualmente mantida pela Agência da Casa Imperial do Japão. Isso significa que ela está sob a custódia da família imperial, um privilégio que atesta seu imenso valor histórico e cultural.
No entanto, a reverência pela Onimaru vem acompanhada de uma certa dose de mistério em sua acessibilidade. A lâmina é raramente colocada em exibição pública, tendo sido mostrada aos olhos do povo em apenas três ocasiões nos tempos recentes. Essa escassez de aparições só aumenta a aura de intriga e exclusividade que cerca a Onimaru, tornando-a um objeto de ainda maior fascínio e desejo para aqueles que estudam ou simplesmente admiram as espadas lendárias do Japão.
Em contraste, outras espadas lendárias japonesas, como a Dōjigiri e a Mikazuki Munechika, embora também inestimáveis, são conhecidas por estarem em exibição no Museu Nacional de Tóquio, mesmo que apenas por períodos específicos. A Honjo Masamune, outra famosa lâmina forjada pelo lendário Masamune, foi declarada tesouro nacional em 1939, mas seu paradeiro permanece desconhecido desde o fim da Segunda Guerra Mundial, tendo sido entregue a forças de ocupação americanas e nunca mais vista. Isso torna a situação da Onimaru particularmente interessante: ela não está perdida, mas sim intencionalmente oculta, acessível apenas a poucos privilegiados e ao tempo, perpetuando seu status de lenda viva.
O Legado da Katana Japonesa e a Alma Samurai
A Onimaru é uma katana, um nome que se tornou sinônimo da espada japonesa. A katana é a tradicional espada japonesa, utilizada pelos samurais do Japão feudal. Ela se distingue por sua lâmina curva de um único fio, um protetor circular ou esquadrado (tsuba) e um cabo longo para acomodar duas mãos. Surgida no Período Muromachi, a katana gradualmente substituiu a tachi como a principal espada japonesa, sendo portada enfiada no obi (cinto), com o gume voltado para cima.
A importância da espada para um samurai ia muito além de ser uma arma; era a extensão de seu corpo e de sua mente. As katanas eram cuidadosamente forjadas em seus mínimos detalhes, desde a ponta até a curvatura da lâmina, todas trabalhadas totalmente à mão. Para o samurai, a espada não era meramente um instrumento de morte, mas um veículo para a justiça e a ajuda ao próximo. Simbolicamente, ela era capaz de “cortar” as impurezas da mente. Era tão crucial que Tokugawa Ieyasu declarou: “A espada é a alma do samurai”.
A evolução das espadas japonesas ao longo da história é categorizada em períodos distintos:
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Jokoto (794 – 1099 d.C.): Espadas muito antigas, anteriores à forma característica das espadas japonesas modernas, geralmente lâminas retas e às vezes de dois gumes. Raramente vistas, exceto em templos ou museus. O Ken, por exemplo, é uma espada reta de dois gumes, característica deste período ou usada para rituais.
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Koto (1100 – 1600): Consideradas as espadas antigas. Este período viu a evolução da metalurgia e manufatura das espadas japonesas até sua forma atual. As bases da forja, têmpera e polimento já estavam desenvolvidas. As mais antigas eram todas Tachi (espadas longas e muito curvas, carregadas com o gume para baixo). A katana surgiu por volta de 1573 e gradualmente substituiu a tachi. As tachi tinham lâminas de 65 a 75 cm, com curvatura acentuada e ponta mais fina que a base.
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Shinto (1600 – 1781): Consideradas novas espadas. Quase exclusivamente katanas e wakizashis. Como o Japão vivia um período de paz e apenas samurais podiam portar espadas, as forjadas neste período eram para a elite. A fabricação atingiu seu ápice técnico, mas o mercado diminuiu. As katanas desta época tinham lâminas de 60 cm ou um pouco mais, com forma mais robusta e compacta e curvatura menos acentuada que as tachi. A wakizashi era uma lâmina de 30 a 60 cm, geralmente 40 cm, e acompanhava a espada maior, formando o Daisho, símbolo da classe samurai.
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Shin Shinto (1781 – 1867): Novas espadas novas, pouco diferentes das Shinto, mas com custo elevado e mercado em declínio, antecipando dificuldades para os artesãos.
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Gendaito (1867 – cerca de 1940): Com o decreto de Hatorei, que proibiu o uso público de espadas pelos samurais, a fabricação de espadas sofreu um duro golpe. O mercado tornou-se restrito. Espadas produzidas individualmente para oficiais neste período, que mantêm características de espadas tradicionais e não têm o caractere SHOW gravado, são consideradas gendaito e têm valor diminuído por especialistas.
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Showato (Segunda Guerra): Produção em massa de espadas para as forças armadas, de baixa qualidade e não classificadas como katana. Muitas foram destruídas pelo próprio governo japonês.
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Shinsakuto (Após 1953): Após a Segunda Guerra e a proibição de fabricar armas, a arte da espada quase foi destruída. Em 1953, recomeçou o forjamento de nihon-to. O termo shinsakuto foi cunhado para classificá-las como manifestação artística única, embora gendaito também seja usado para espadas modernas. As espadas atuais reinterpretam formas e padrões de escolas antigas, mantendo as características e capacidades marciais das nihon-tos antigas.
A katana e suas variantes, como a wakizashi e o tanto (lâminas menores que 30 cm, geralmente 27 cm), são o legado de uma classe guerreira e de uma arte que transcende o combate, imbuída de significado espiritual e filosófico. A Onimaru é um fragmento vivo desse legado, uma ponte entre o passado místico e a cultura presente do Japão.
É importante notar que, enquanto as katanas são espadas de um único gume e curvadas, as fontes mencionam outros tipos de espadas europeias, como a Claymore, uma variante escocesa da espada medieval montante, de gume duplo e manejada com as duas mãos. A espada bastarda ou espada de uma mão e meia é outra espada medieval com tamanho intermediário, podendo ser usada com uma ou duas mãos. A montante, também chamada de espada longa, é um tipo de espada europeia com punho cruciforme para uso principalmente com as duas mãos, lâmina reta de dois gumes, pesando cerca de 1 a 1,5 kg. Essas comparações ressaltam a singularidade do design e da tradição da katana em contraste com as armas medievais ocidentais.
Onimaru na Tapeçaria da Cultura Popular
As espadas lendárias, em geral, exercem um fascínio tão grande que ultrapassaram os limites da mitologia e se tornaram ícones culturais, frequentemente retratadas em filmes, jogos e outras formas de mídia. No entanto, especificamente para a Onimaru, as fontes fornecidas não detalham suas aparições em séries de TV, filmes, jogos eletrônicos ou outras mídias populares. A informação disponível concentra-se em seu status mitológico e histórico como tesouro nacional.
Porém, o conceito de katanas lendárias serviu de inspiração para inúmeras obras. Por exemplo, a Masamune é um nome recorrente em jogos de videogame, como Final Fantasy, onde a espada é frequentemente dotada de grande poder espiritual. O próprio blog em que me debruço sobre esses mistérios, "O Estranho Mundo de Éder", já dedicou um post aos "Mistérios da Kusanagi no Tsurugi", outra das Relíquias Imperiais do Japão, atestando o poder da mitologia japonesa em inspirar narrativas modernas.
A ausência de menções específicas para a Onimaru na cultura pop contemporânea dentro de nossas fontes apenas reforça sua aura de exclusividade e mistério, mantendo-a firmemente no reino dos tesouros imperiais guardados e das lendas susurradas. Sua história é contada não através das telas, mas através dos ecos de um passado onde demônios e sonhos se encontravam na ponta de uma lâmina.
Considerações Finais: O Eco da Onimaru no Tempo
Assim, meus caros, a espada Onimaru permanece como um elo fascinante entre o mundo material e o sobrenatural. Sua lenda, forjada no tormento de um líder e na habilidade de um mestre, ecoa a crença de que as espadas lendárias possuem uma vida própria, uma alma capaz de intervir nos destinos humanos.
Desde sua criação pelas mãos de Awataguchi Kunitsuna até seu status atual como um dos raros tesouros sob a guarda da Agência da Casa Imperial, a Onimaru é mais do que aço e lenda. Ela é um fragmento palpável da história do Japão, um sussurro das tradições samurais e um lembrete constante de que, nas profundezas da mitologia, a linha entre o real e o fantástico é tênue, quase imperceptível, como a lâmina de uma katana cortando o véu da noite.
Que suas histórias continuem a ser contadas, sob a luz bruxuleante de uma fogueira, em noites escuras, para que a Onimaru e suas irmãs, as Cinco Espadas Sob os Céus, jamais sejam esquecidas pelos ecos do tempo.
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