Os Mistérios da Kusanagi no Tsurugi

A Lâmina Sombria do Japão: Desvendando os Mistérios da Kusanagi no Tsurugi

Em um mundo onde o véu entre o mito e a realidade é tênue, certas relíquias transcendem o metal e a forja para se tornarem sussurros de poder, ecos de eras esquecidas. Entre as lâminas mais enigmáticas do Japão, poucas detêm o fascínio e o mistério da Kusanagi no Tsurugi, a "Espada Cortadora de Grama". Não é apenas uma arma forjada em lendas; é um dos Três Tesouros Imperiais do Japão, um símbolo de virtude, coragem e do direito divino de governar, envolta em segredos que o tempo, com toda a sua voracidade, não conseguiu apagar. Sua história é um emaranhado de divindades irascíveis, monstros titânicos e heróis destinados à glória e à tragédia, uma narrativa que se desdobra como um pergaminho antigo, manchado de sangue e glória.

Prepare-se para uma jornada através das brumas do folclore japonês, onde deuses e monstros se entrelaçam em narrativas de heroísmo e tragédia, e onde o sussurro do vento carrega os ecos de batalhas há muito perdidas.

O Nascimento do Terror e a Ira Divina

A saga da Kusanagi no Tsurugi começa com o exílio divino de Susanoo, o impetuoso deus das tempestades e do mar, banido do reino celestial por sua conduta turbulenta. Em seu exílio, na província de Izumo, ele encontrou um casal idoso e sua filha, Kushinada-hime, aterrorizados por uma serpente monstruosa: o Yamata no Orochi, com oito cabeças e oito caudas, que devorava uma de suas filhas a cada ano.

O Orochi não era uma besta comum. Seu corpo era tão vasto que se estendia por oito vales e oito montanhas, coberto por musgo e cedros japoneses, e seu ventre exibia chagas vermelhas e sangrentas, como chamas de forja. Seus olhos, como plantas de lanterna chinesa, brilhavam com malícia ancestral. O monstro personificava as enchentes devastadoras do rio Hii, na província de Shimane.

Susanoo concebeu um plano audacioso: transformou Kushinada-hime em um pente para protegê-la e instruiu a família a preparar oito tonéis de saquê forte. Atraído pelo aroma, o Orochi mergulhou cada cabeça nos tonéis, caindo em um torpor embriagado. Susanoo atacou a besta enfraquecida com sua espada, a Worochi no Ara-masa, cortando cada cabeça e cauda.

Foi ao dissecar a quarta cauda do Orochi que Susanoo descobriu uma lâmina extraordinária, forjada na própria essência do monstro. Ele a nomeou Ame-no-Murakumo-no-Tsurugi, a "Espada Celestial das Nuvens Aglomeradas". Em um gesto de redenção, Susanoo ofereceu a espada a sua irmã, a deusa do sol Amaterasu, selando uma antiga discórdia. Assim, a Ame-no-Murakumo-no-Tsurugi tornou-se um legado divino, um dos Três Tesouros Imperiais do Japão, simbolizando o direito divino do Imperador.

O Herói Errante e a Lâmina Cortadora de Grama

Gerações depois, a Ame-no-Murakumo-no-Tsurugi chegou às mãos do príncipe Yamato Takeru, filho do 12º Imperador Keiko. Um guerreiro de força prodigiosa, ele foi enviado em missões perigosas. Sua tia, Yamato Hime, a Sacerdotisa do Grande Santuário de Ise, concedeu-lhe a espada para protegê-lo.

A Kusanagi no Tsurugi, uma das três Espadas Sagradas do Japão, em exibição no Santuário Atsuta em Nagoya.

A lâmina provou seu valor durante uma expedição de caça. Yamato Takeru foi atraído para uma pradaria por um senhor da guerra traiçoeiro que ateou fogo à grama para queimá-lo vivo. Em desespero, Takeru desembainhou a espada para cortar a grama e remover o combustível do incêndio.

A espada revelou um poder oculto: podia controlar o vento, direcionando-o em seus balanços. Ele usou esse poder para varrer as chamas de volta para seus inimigos, transformando a armadilha em sua ruína. Em celebração a essa vitória, Yamato Takeru renomeou a espada para Kusanagi no Tsurugi, a "Espada Cortadora de Grama".

A lenda de Yamato Takeru, no entanto, é tingida de melancolia. Mais tarde, ao enfrentar um deus no Monte Ibuki, ele deixou a Kusanagi para trás. Sem a proteção da lâmina divina, ele foi derrotado e morreu, um lembrete sombrio de que mesmo os maiores heróis podem sucumbir sem seus artefatos sagrados.

O Coração da Nação: Simbolismo e Mistério

A Kusanagi no Tsurugi não existe isoladamente. Ela é parte dos Sanshu no Jingi (Três Tesouros Sagrados) ou Regalias Imperiais do Japão. Juntamente com o espelho Yata no Kagami (sabedoria e honestidade) e a joia Yasakani no Magatama (benevolência e compaixão), a Kusanagi encarna o valor e a virtude marcial do Imperador.

Estes objetos sagrados são o cerne das cerimônias de entronização imperial, conferindo ao Imperador japonês um direito divino de governar, uma conexão inquebrável com os kami (deuses) e a linhagem ancestral de Amaterasu.

Contudo, a Kusanagi é envolta em um véu de segredo. Acredita-se que nenhum ser humano vivo tenha visto a espada original, nem mesmo o próprio Imperador, que a recebe "sob invólucros" durante as cerimônias de coroação. As poucas descrições existentes são antigas e controversas. Um relato do século XVII de Matsuoka Masanao, o único a sobreviver a tal visão, descreveu-a com cerca de 82 cm de comprimento, lâmina como uma folha de cálamo e cabo nodoso como a espinha de um peixe, de cor branca metálica. Outros a descrevem como uma tachi (curva, de um gume), enquanto textos mais antigos sugerem uma tsurugi (reta, de dois gumes). A crença de que aqueles que olham diretamente para a espada são amaldiçoados com doenças ou exílio adiciona uma camada sombria à sua aura.

Onde a Lenda Reside: Santuários e Relíquias

O principal local de veneração da Kusanagi no Tsurugi é o Santuário Atsuta Jingu, em Nagoya, Aichi. Fundado há aproximadamente 1900 anos para abrigar a espada, é o segundo santuário xintoísta mais reverenciado no Japão. A principal divindade consagrada é Atsuta-no-Ookami, que representa Amaterasu-Oomikami através da Kusanagi.

Apesar de ser o lar tradicional da espada, a Kusanagi original nunca é exibida publicamente. Réplicas são usadas em cerimônias imperiais, e o público pode ver a coleção de mais de 6.000 relíquias na Sala do Tesouro do santuário.

Para vislumbres indiretos, o Museu Nacional de Tóquio ocasionalmente exibe artefatos e obras de arte do período Edo que retratam as Regalias Imperiais.

O paradeiro da Kusanagi original é um dos maiores mistérios. Acredita-se que a espada pode ter sido perdida no mar durante a Batalha de Dan-no-ura em 1185, quando o jovem Imperador Antoku e o clã Taira se afogaram. Há debates se foi a original ou uma réplica. Outra história narra que a espada foi roubada por um monge coreano em 668 e recuperada em 686. A espada foi transferida para o Santuário Atsuta em 688, após ser culpada por uma doença do Imperador Tenmu.

Para aqueles que desejam se aproximar do mistério, mesmo que a lâmina original permaneça oculta, o Santuário Atsuta Jingu oferece uma experiência profunda.

Informações para Visitação do Santuário Atsuta Jingu

• Localização: 1-1-1 Jingu, Atsuta-Ward, Nagoya-City, Aichi Prefecture, Japão.

• Horário de Funcionamento:

• Santuário: Aberto 24 horas por dia, todos os dias.

• Sala do Tesouro (Bunkaden): 9:00 AM - 4:30 PM (última admissão 4:10 PM). Fechado na última quarta-feira do mês, dia seguinte, e de 25 a 31 de dezembro.

• Taxa de Entrada: Gratuito para o santuário. A Sala do Tesouro pode ter uma taxa.

• Acesso por Transporte Público:

• 7 minutos a pé da Saída 2 da Estação Atsuta Jingu Nishi (Linha Meijo do metrô).

• 7 minutos a pé da Saída 1 da Estação Atsuta Jingu Tenmacho (Linha Meijo do metrô).

• 3 minutos a pé da Saída Oeste da Estação Jingū-Mae (Linha Principal Meitetsu Nagoya).

• 8 minutos a pé da Estação Atsuta (Linha JR Tokaido).

• Acesso por Carro: Aproximadamente 8 minutos da Saída Horita ou Yobitsugi da Nagoya Expressway. Estacionamento disponível e gratuito (capacidade para 400 carros, 6 ônibus).

• O que Ver: Os edifícios do santuário, os jardins, os festivais anuais (mais de 70), e a Sala do Tesouro com coleções de espadas samurai e outras relíquias (mas não a Kusanagi original).

Ecos da Lâmina: A Kusanagi na Cultura Popular

A lenda da Kusanagi no Tsurugi transcendeu os textos antigos para permear a cultura popular japonesa e global, inspirando criadores em diversas mídias.

Lista de Aparições Notáveis da Kusanagi no Tsurugi:

Anime e Mangá:

• Naruto: A "Kusanagi Sword" é empunhada pelo sinistro Orochimaru. Sua versão pode estender a lâmina, é incrivelmente afiada e durável, e pode ser controlada telecineticamente. Mais tarde, é associada a Sasuke Uchiha. A espada de Orochimaru pode até se transformar em uma pequena cobra.
• One Piece: A personagem Anne Harlow empunha um sabre chamado Kusanagi no Tsurugi, com uma lâmina de um único gume e uma guarda de mão com uma flor rosa em forma de estrela, talvez uma alusão sutil à lenda.
• Fate/stay night: A Kusanagi é referenciada como uma Espada Divina que veio do Yamata no Orochi. A personagem Ibuki-Douji a empunha como seu Noble Phantasm, capaz de "cortar oito vales e picos e criar oito grandes rios". A lenda de Yamato Takeru e a Kusanagi também inspiraram a criação da Excalibur.
• Rurouni Kenshin: Embora não apareça diretamente, a série é frequentemente mencionada no contexto de espadas legendárias e da mitologia japonesa.

Jogos Eletrônicos:

• Okami: A "Lâmina de Kusanagi" aparece como uma arma divina, com cor verde-grama e fluxo de vento. Sua "verdadeira forma", a "Thunder Edge", é nomeada Ame-no-Murakumo-no-Tsurugi, simbolizando a redenção de Susanoo.
• Final Fantasy: Em Final Fantasy XVI, a habilidade Eikonic de Odin, "Heaven's Cloud", é nomeada após a Ame-no-Murakumo-no-Tsurugi. Em Granblue Fantasy, a Kusanagi é uma odachi obtida da cauda de uma serpente monstro.
• The King of Fighters: O protagonista Kyo Kusanagi é o chefe do clã Kusanagi, uma das três famílias que baniu o Yamata no Orochi. Kyo possui poderes pirocinéticos, e as regalias imperiais são centrais para a trama.
• Nioh: A Kusanagi pode ser obtida como um item raro ao derrotar o Yamata-no-Orochi ou através de uma receita de forja.
• Call of Duty: Black Ops 3: A "KT-4", também conhecida como Kusanagi-no-Tsurugi, é uma "Wonder Weapon" construível no mapa Zetsubou No Shima, emitindo um líquido verde que afeta zumbis.

Literatura Clássica:

• O Conto de Heike: Este épico clássico japonês do século XIV associa a Kusanagi à legitimidade imperial e narra sua suposta perda durante a Batalha de Dan-no-ura.

Conclusão: O Legado Imortal da Espada

A Kusanagi no Tsurugi é mais do que uma espada; é um fio que tece a rica tapeçaria do folclore japonês, conectando os reinos dos deuses, dos heróis e dos homens. Desde sua origem sanguinolenta nas profundezas do Yamata no Orochi até seu papel como um dos pilares da autoridade imperial, sua história é um testemunho da resiliência do mito.

Ela representa a coragem que enfrenta o caos, a astúcia que supera a força bruta e o direito divino que se manifesta através de feitos heroicos. Seu mistério, a inacessibilidade de sua forma verdadeira, apenas aprofunda seu fascínio, transformando-a em um símbolo ainda mais potente do poder do invisível e do sagrado.

Em cada aparição na cultura popular, a Kusanagi continua a inspirar e a cativar. Ela é um lembrete de que as lendas, como as sombras ao redor de uma fogueira, nunca se apagam de verdade; elas apenas mudam de forma, adaptando-se para sussurrar seus segredos a novas gerações.

Que esta jornada pela história da Kusanagi no Tsurugi tenha acendido uma faísca em sua alma, convidando-o a explorar ainda mais os estranhos e maravilhosos mundos das espadas lendárias e dos mistérios que elas guardam.