A Arrogância nas Adaptações da Amazon: Entrevista com Vampiro e Anéis de Poder

 Vampiro Lestat dirigindo um carro após longos anos de reclusão

🤹‍♂️

Eu já falei sobre o livro "Entrevista com o Vampiro" aqui no blog,  a aclamada obra de Anne Rice que capturou a essência do gênero gótico com uma maestria raramente vista.. Eu li esse livro apenas depois de adulto, apesar do meu irmão já ter recomendado a obra quando eu tinha por volta de uns 13 anos. Lembro que ainda criança eu havia assistido ao filme e, após assisti-lo uma segunda vez após adulto, comprei o livro e comecei a mergulhar no trabalho de Anne Rice.

Falei tanto sobre o livro em casa que minha esposa resolveu pegá-lo na estante para ler. Eu aguardei ela concluir a leitura para enfim, assistir ao filme com ela, pois ela nunca havia assistido ao filme. Juntou-se a nós dois nessa empreitada a minha cunhada; a Lucimara já havia assistido ao filme uma vez, mas também quando era jovem. Apenas a Lilian nunca havia assistido ao filme e ela admitiu que achava que era um filme não muito sério sobre vampiros. Bom, após ler o livro e assistir ao filme, ela mudou completamente de opinião: o filme é uma ótima adaptação do livro. Não para menos, afinal, a própria Anne Rice participu do trabalho de adaptação com o roteiro.

Sauron, o senhor de Mordor, está na sua forma de vampiro usando o anel dourado no dedo e está sentado e dando uma entrevista para a jovem Galadriel, uma elfa loira e de olhos azuis e de rosto perspicaz e inteligente

Até aí tudo bem. O problema começa com o Streaming onde eu encontrei o filme para assistir: na Amazon. Bom, o problema é que além do filme, eu vi que a Amazon tinha também uma série com o nome "Entrevista com o Vampiro". Bom, é claro que tanto eu como minha esposa ficamos curiosos para assistir a essa série, mas confesso que eu já fiquei com o pé atrás quando vi que se tratava de uma série criada pela própria Amazon.

A série apresenta um reencontro entre o entrevistador e o vampiro Louis, décadas após a primeira entrevista. Eles criticam abertamente a entrevista original através dos próprios personagens que alegam que ela estava cheia de inconsistências, com o entrevistador admitindo estar drogado e Louis concordando que não estava pronto para contar a verdadeira história. Essa abordagem não só subverte a narrativa original, mas também a desrespeita, insinuando que a obra prima de Rice é inferior e cheia de falhas.

A Amazon tem o direito de criar sua própria versão de “Entrevista com o Vampiro”, assim como muitos autores de fanfics no Wattpad fazem com paixão e respeito. No entanto, a série falha em deixar claro que é uma fanfic, uma história inspirada, e não uma continuação fiel. Ao invés disso, ela se posiciona arrogantemente acima da obra original, uma atitude que considero desrespeitosa com Anne Rice, sua obra e seus fãs.

Essa não é a primeira vez que a Amazon adota tal postura. A série “Anéis de Poder” também se afasta das raízes de Tolkien, com os criadores chegando a afirmar que “melhorariam” sua obra. Essa arrogância é um desrespeito não só para com Tolkien, mas também para com os fãs que valorizam a integridade de sua visão.

A Amazon poderia optar por criar histórias originais, inspiradas em grandes obras, mas ao invés disso, escolhe se apoiar no sucesso dos trabalhos originais enquanto os critica. Assisti à primeira temporada de “Anéis de Poder”, mas não darei continuidade. E quanto à “Entrevista com o Vampiro”, não consegui passar do primeiro episódio.

Em suma, a Amazon tem mostrado uma atitude arrogante e desrespeitosa em suas adaptações. Como fã e consumidor, espero que futuras produções honrem as obras originais e seus criadores, ao invés de tentar se sobrepor a eles com uma falsa superioridade.

Eu não tenho nada contra os roteiros de suas adatações em si; apenas acredito que os títulos dessas dessas produções deveriam ser outros e que deveria ficar claro que esses trabalhos são inspirados em obras clássicas e não "adaptações". Pois adaptações tendem a ser fieis aos roteiros originais, apenas ajustando partes do trabalho que se tornariam muito demoradas ou que não funcionariam muito bem nas telas.

Por outro lado, as fanfics ou se "obras inspiradas em" funcionam de outra forma: são trabalhos que reimaginam o trabalho original, mudando acontecimentos, personagens, ou então criando e detalhando partes da história que o original não possui ou não desenvolve.

Vou falar um pouco sobre a visão Fanfiqueira dessas duas supostas "adaptações" e porque seus produtores ousam chamá-las de "melhores" que as obras originais.

É muito comum encontrar fanfics no Wattpad que, por exemplo, exploram o contexto sexual do envolvimento de certos personagens nas mais diferentes obras: de livros, mangás a animes e filmes. Geralmente essas fanfics são escritas por jovens e são voltadas para um publico jovem: adolescentes e jovens adultos com os hormônios à flor da pele.

Em "Entrevista com o vampiro" vemos exatamente esse "ímpeto juvenil", quando a série da Amazon já no primeiro episódio aborda o relacionamento entre Louis e Lestat de forma sexual; sendo que no trabalho original de Anne Rice o relacionamento e a reprodução entre os vampiros não ocorre de forma sexual assim como ocorre com os humanos.

Claro que muitos fãs de histórias de vampiro e também aqueles que desejam ver uma grande história sobre o relacionamento entre dois homens deve se divertir com uma fanfic como a série da Amazon, que levou para o lado sexual o relacionamento entre Louis e Lestat. O vampiro Louis chega, inclusive, a afirmar que ele é Gay na série da Amazon.

A verdade, porém, é que a obra original de Anne Rice não apenas não trata sobre a orientação sexual de seus personagens, como ela apresenta o relacionamento entre os vampiros de uma forma muito mais complexa de se compreender e definir: os vampiros não se importam com gênero e muito menos com o ato sexual em si, mas sim com a alma de seus parceiros. Não dá para dizer quem é gay, quem é heterosexual, quem é bisexual em Entrevista com o Vampiro; Anne Rice faz com que esses rótulos se dissolvam em sangue e o que resta é o relacionamento dos personagens.

Por falar nisso, a grande temática na qual penso quando lembro de Entrevista com o Vampiro, é a do "relacionamento abusivo". Esse livro trata disso em grande parte: um relacionamento abusivo e conturbado, como tantos outros que vemos na vida real. Não que esta seja a única grande questão da obra, mas para mim é uma das que mais salta aos olhos por estar presente pela maior parte do livro. Mas o livro fala também sobre outras questões: a existência de Deus e do diabo, a morte, a velhice, o peso de continuar vivendo após perdermos quem verdadeiramente amamos, etc.

Embora alguns "jovens" ou pessoas de "maturidade ainda adolescente" possam achar que a versão da Amazon seja mais corajosa que a versão de Anne Rice porque a Amazon mostrou homens pelados em um ato "romântico", a verdade é que a versão da Anne Rice é que é verdadeiramente corajosa e infinitamente mais complexa, extrapolando os limites que determinam rótulos para relacionamentos ao cortar o "gênero" como algo decisório para o interesse dos vampiros e eliminando o "ato sexual" tal qual os humanos conhecem e o substituindo por um relacionamento baseado no "convívio" e na "troca de experiências".

Os vampiros buscam parceiros que os motivem, que os cure do tédio de uma existência "virtualmente" eterna. Além disso, para vampiros mais velhos é dificil se adaptar às mudanças constantes do mundo como é dificil para qualquer pessoa que envelhece. Para evitar isso, os vampiros procuram criar novos vampiros que os ajudem a se conectar com o "espírito da época" em que se encontram. Nesse aspecto, o personagem de Louis é extremamente complexo, pois após fugir do relacionamento abusivo com Lestat, perder a Cláudia e se ver sozinho, a quem Louis buscou para se curar do tédio? Essa não é uma história com um final feliz em que o persnogem encontra sua alma gêmea para todo o sempre: é um romance gótico em essencia, com clima pessimistas e um final que nos faz parar para pensar.

Outra mudança bastante fanfiqueira da série da Amazon é quanto à escolha de transformar o Louis em um homem negro, mudar a época em que ele viveu enquanto humano (pulando de 1791 para 1910) e a sua idade (de 22 para 33 anos). Parece uma mudança pequena, mas não é. Com essa mudança a Amazon joga toda uma nova mentalidade para o personagem, bem como uma carga de problemas e assuntos que sequer existem na obra original. Claro, não que essas questões não possam ser colocadas em uma Fanfic e exploradas e trabalhadas para expor novas ideias e debates para os expectadores. Tudo isso é, na verdade, muito positivo. O que não pode é chamar uma série com esse tipo de mudança de "uma adaptação". Trata-se, isso sim, de uma série nova, inspirada na obra de Anne Rice.

Já em Anéis de Poder, como se trata de um universo em que temas como "sexualidade" não tem muito espaço, a Amazon tentou ousar em sua Fanfic criando uma personagem feminina que fosse jovem, impetuosa e (convenhamos) nem um pouco inteligente em identificar uma "bad boy" bem de baixo do seu nariz. Assim, eles criam uma nova versão de Galadriel e à colocam à frente da história que desejam contar: uma fanfic de fantasia guiada por uma personagem feminina em um mundo fantástico muito cativante. O problema? Simples: novamente, eles viraram a personagem original do avesso, criando uma personalidade nova para ela; porém uma personalidade piorada.

A Galadriel de Tolkien era uma sábia. Era também poderosa fisicamente falando, pois há passagens do Silmarilion que falam sobre suas proezas atléticas. Além disso, dentre os poucos que não foram enganados por Sauron, Galadriel era uma delas. Jamais que a Galadriel de Tolkien se deixaria ludibriar por Sauron, cair em seus truques ou dar ouvidos às suas ideias.

Porém, a Galadriel da Amazon não só é enganada por Sauron como chega a se encantar muito por ele e por suas ideias. Não há nada mais fanfiqueiro que isso, não é mesmo?

Sem contar nas mudanças nas datas dos acontecimentos, na idade dos personagens, entre outras tantas coisas que fica difícil pensar que "Anéis de Poder" é uma Fanfic ou até mesmo uma série nova que tentou roubar o nome de "Tolkien" para parecer maior do que realmente é.

Diante de uma mudança como essa na história, é de estranhar muito quando os produtores dizem na entrevista que "voltaram para o livro" de novo e de novo, diversas vezes, para garantir que a obra que eles criaram era "fiel" ao trabalho de Tolkien.

Creio, porém, que o que eu mais quero reforçar aqui é o seguinte: a Amazon poderia ter criado essas duas séries sem problema algum. O que faltou foi honestidade para assumir que os trabalhos tratam-se de fanfics de obras clássicas. Ou isso, ou deveriam criar novos nomes para as suas séries e dizer que elas são apenas inspiradas em obras clássicas. Além da honestidade, faltou hulmidade e respeito para com os autores das obras clássicas e, consequentemente com os fãs desses autores.

Felizmente, como fã dos trabalhos originais desses autores, ainda posso voltar aos livros para ler suas histórias tantas vezes quanto desejar. Ainda assim, quiz dar minha opinião sobre o assunto e o mostrar o que penso sobre o desrespeito com que essas adaptações trataram as obras clássicas e seus autores. Creio que mesmo para se fazer uma fanfic ou uma obra inspirada em outra, deve-se, sobretudo, ter respeito e humildade para com o original e não declamar de forma irresponsável que a adaptação é melhor que o original (até porque isso é uma questão de gosto).

Caso tenha vontade de conhecer um pouco mais sobre o livro Entrevista com o Vampiro, aproveite para ler o meu post aqui no Blog a respeito do livro.

Vou ficando por aqui, mas volto 🦇

Dois vampiros homens; um com longos cabelos escuros e o outro com cabelos loiros e olhos azuis. Vampiros assustadores observam na escuridão da noite sentados sobre lápides como dois boêmios misteriosos. cemitério, névoa, catedral gótica e funesta. Arte macabra e sinistra.