"— Às vezes — dizia-se então —, em minhas longas viagens, quando eu ainda era um homem, e quando esse homem, livre e potente, lançava a outros homens ordens que eram executadas, eu vi o céu se cobrir, o mar fremir e rugir, a tempestade nascer num canto do céu e, como uma águia gigantesca, unir os dois horizontes com suas asas; então eu percebia que meu navio não passava de um refúgio impotente, pois meu navio, leve como uma pluma na mão de um gigante, tremia e eriçava-se por si mesmo. Logo em seguida, ao estrépito terrível das lâminas, o aspecto dos rochedos afiados me anunciava a morte, e a morte me apavorava; eu fazia todos os esforços para deles escapar e reunia todas as forças do homem e toda a inteligência do marinheiro para lutar contra Deus! Era porque então eu era feliz, era porque retornar à vida era retornar à felicidade; era porque eu não escolhera aquela morte, eu não a chamara; era porque o sono, enfim, me parecia penoso naquela cama de algas e pedras; era porque eu me indignava, eu que me julgava uma criatura feita à imagem de Deus, por servir, após a minha morte, de carniça para gaivotas e abutres. Mas hoje é diferente: perdi tudo que podia me fazer amar a vida, hoje a morte me sorri como uma ama de leite à criança que ela vai embalar; mas hoje morro de boa vontade e durmo cansado e alquebrado, como dormia depois de uma daquelas noites de desespero e de raiva, durante as quais contei três mil voltas no meu quarto, isto é, trinta mil passos, isto é, aproximadamente cinquenta quilômetros."