Striga: Lenda Eslava, Vampirismo e a Maldição da Princesa de The Witcher

Striga: A Maldição que Sangra na Noite, a Filosofia do Horror Eslavo e o Preço da Beleza

Um monstruoso frito frenético rasgou a noite, sacudiu os muros do castelo e pairou no ar por muito tempo, ora se erguendo, ora caindo, vibrante. O bruxo não conseguia calcular a distância — seu exacerbado sentido de audição o confundia —, mas percebeu que a estrige alcançara o alvo muito rápido. Rápido demais — Andrzej Sapkowski

O ar aqui em cima na minha fortaleza está quente e o peso da noite se assenta sobre as minhas notas arcanas. O mês de Outubro avança, e a proximidade do Halloween nos convoca a estudar o que é antigo e grotesco. Enquanto os reinos ocidentais temem espectros de castelos vazios, eu, como cronista destas Terras Selvagens, registro o terror visceral forjado no medo ancestral da Europa Oriental.

Hoje, volto a examinar um monstro que exige não apenas a coragem de um bárbaro, mas a astúcia de um arcanista ou talvez de um bruxo para ser derrotada ou até mesmo evitada. Esta é a lenda que desenterro para as Masmorras Perdidas: o horror da Striga, a criatura que prova que a beleza é apenas um véu para o Mal.

Você que leu O Último Desejo da Saga The Witcher (e espero que tenha lido a minha resenha no Observatório do Mago), lembra-se de que a Striga foi o primeiro grande desafio de Geralt de Rívia: uma princesa amaldiçoada que se transforma em uma besta noturna. O conto "O Bruxo" é a porta de entrada perfeita para a Fantasia Sombria porque a criatura que inspira essa história é um monstro de profundidade trágica e selvageria incontrolável. Meu interesse pela Striga reside, de fato, em estar me preparando para reler O Último Desejo e, quem sabe, os demais livros da saga The Witcher, além de aproveitar para rever a série da Netflix. A ideia de uma criatura metamorfa de lendas sombrias é um prato cheio para um cronista como eu, que adora vagar pelas Terras Selvagens em busca de segredos, mistérios e terrores ocultos. 

Uma Striga: uma figura feminina com o rosto de uma beleza maligna e o corpo ao mesmo tempo belo e pálido de vampira, em uma pose ambigua de sedução e ameaça.

I. O Berço do Horror: Etimologia e a Gênese da Strix Romana

A lenda da Striga não surgiu de um vácuo, mas da confluência entre a mitologia clássica e as crenças pagãs do Leste. Sua raiz é a palavra latina "Strix", que significa "coruja" ou, no sentido mais sombrio, "ave noturna de mau presságio".

  • A Strix Original: Nos textos de Ovídio e outros autores romanos, a Strix era descrita como uma criatura de pesadelo, uma metamorfo que roubava e se alimentava da carne e do sangue de crianças no berço. Ela é a encarnação do terror noturno e maternal, uma figura perversa que rouba o futuro dos inocentes.

  • O Significado Eslavo: Quando a lenda viajou para a Europa Oriental (Polônia, Eslováquia, Romênia e Ucrânia), ela se transformou em Striga ou Strigoi. O nome carrega o peso de "Aquela que Grita Agudamente" ou "Aquela que Sufoca", associada a um grito estridente que precede o ataque. A Striga se tornou, então, a fusão perfeita: o morto-vivo vampírico com a capacidade de voo noturno da coruja amaldiçoada. A propósito, o termo strigoi está associado às origens de Drácula, pois li isso nas notas de rodapé do livro de Bram Stoker que bebeu muito das lendas do leste europeu para criar o vampiro mais famoso da cultura pop.

Eu, como cronista de lendas sombrias e um explorador de cenários góticos e sombrios, vejo nisso a filosofia do horror eslavo: o Mal nunca é uma invenção; é sempre a perversão de algo natural e belo (a ave) em algo grotesco e faminto (o morto-vivo).

II. Maldição, Vampirismo e a Estrutura Social do Medo

A Striga é mais do que um monstro; é uma advertência social forjada pelo medo em uma época de ignorância e doença. Ela é a manifestação da culpa e do destino injusto.

As Causas Arcanas e Sociais da Maldição:

  • Morte Não Consagrada: O relato mais comum é que a Striga nasce de uma criança que morre sem ser batizada (um medo intensificado após a cristianização) ou de um indivíduo que cometeu um pecado capital e não encontrou descanso, sendo forçado a retornar como um cadáver faminto.

  • A Injustiça Encarnada: A Striga é a injustiça em sua forma física, retornando da tumba com uma fome insaciável por sangue e carne. Seu alvo preferencial são os bebês e crianças, o que faz da lenda o terror supremo para as mães.

  • Documentos e Memoriais: Embora não haja monumentos celebrando a Striga, os documentos eclesiásticos medievais estão repletos de menções a rituais para lidar com esses "vampiros" e "mortos-vivos". O monumento ao medo são as centenas de sepulturas medievais descobertas na Polônia e na Sérvia, onde corpos foram encontrados com pedras ou estacas na boca ou decapitados. Isso era a ação desesperada da comunidade para garantir que a Striga não se levantasse para caçar. É o atestado mais sombrio do terror que ela causava.

Ilustração de um bestiário medieval ou grimório de caçador de monstros, cheios de inscrições em runas e caracteres eslavaos, marcas de tinta e símbolos arcanos. Uma Striga: uma figura feminina com o rosto de uma beleza maligna e o corpo ao mesmo tempo belo e pálido de vampira, em uma pose ambigua de sedução e ameaça. A figura feminina parece uma vampira bela e sedutora, embora a palidez da pele e sombras profundas nos olhos lhe deem um aspecto fantasmagórico. Ela usa um vestido simples e rasgado em várias partes, indicando que passou muito tempo nas profundezas de alguma masmorra, criando um contraste entre a ruína do vestido e a beleza do corpo pálido. Os cabelos negros e ondulados caem despenteados ao longo corpo, lustrosos e selvagens. Ao seu lado é possível ver sua versão completamente transformada em uma forma metamórfica como um hibrido de mulher e coruja monstruosa com rosto de feiticeira com a boca grande e repleta de dentes afiados e olhos inteiramente negros e maléficos, o corpo coberto por trapos disfarçando as curvas do corpo ao mesmo tempo feral e feminino e as costas e asas brancas abertas e cheias de plumas.

III. A Striga de The Witcher e o Preço da Tragédia

Andrzej Sapkowski compreendeu a profundidade trágica da lenda. No conto "O Bruxo", a Striga é a Princesa Adda de Teméria, amaldiçoada pela inveja de um feiticeiro devido a uma união incestuosa.

  • O Horror Filosófico: O bruxo Geralt é contratado para reverter a maldição, não para matar o monstro. A Striga é, para o Bruxo, uma questão de moralidade complexa e não de simples caça. Ele tem que lutar contra a besta mais selvagem sabendo que ela já foi a beleza mais pura.

  • A Transição da Beleza: A descrição de Geralt sobre a Striga é visceral: é um corpo feminino deformado, com presas, garras e um horror selvagem. Seu ataque é uma Fúria Sombria irracional, mas ele deve sobreviver a ela por tempo suficiente para que a maldição se reverta ao amanhecer, quando a luz do sol, o oposto da coruja noturna, a obriga a voltar à forma humana. Essa reversão exige paciência, não força bruta.

IV. Halloween: O Portal para o Folclore Sombrio Global

O Halloween
Uma Striga: uma figura feminina com o rosto de uma beleza maligna e o corpo ao mesmo tempo belo e pálido de vampira, em uma pose ambigua de sedução e ameaça. A figura feminina parece uma vampira bela e sedutora, embora a palidez da pele e sombras profundas nos olhos lhe deem um aspecto fantasmagórico. Ela usa um vestido simples e rasgado em várias partes, indicando que passou muito tempo nas profundezas de alguma masmorra, criando um contraste entre a ruína do vestido e a beleza do corpo pálido. Os cabelos negros e ondulados caem despenteados ao longo corpo, lustrosos e selvagens. Ao seu lado, em um espelho antigo na torre medieval onde ela está, é possível ver seu reflexo transformado em uma forma metamórfica como um hibrido de mulher e coruja monstruosa com rosto de feiticeira com a boca grande e repleta de dentes afiados e olhos inteiramente negros e maléficos, o corpo coberto por trapos disfarçando as curvas do corpo ao mesmo tempo feral e feminino e as costas e asas brancas abertas e cheias de plumas. Arte gótica combinando o estilo realista de games do studio ProjectRed como The Witcher 4 combinado com o estilo artistico vívido e visceral de Frank Frazetta
que se aproxima, embora seja hoje uma festividade com forte influência norte-americana, possui raízes profundas nas celebrações europeias de outono, como o Samhain celta. O folclore sempre ignorou fronteiras (e também não dá muito crédito para a estação do ano, pois o Halloween aqui no hemisfério sul ocorre durante a primavera, de modo que o nosso terror possui as nuances e matizes do gótico tropical que não são menos sombrios por isso: quem já caminhou por uma floresta tropical à noite talvez saiba como isso é verdade).

O Halloween se tornou uma celebração que possibilita o conhecimento das culturas de vários povos. O terror que vemos nas fantasias de Halloween (Lobismen, Múmias, Vampiros) transcende países e continentes. Por isso, a Striga é uma criatura perfeita para esta época:

  • Universalidade do Horror: Ela se encaixa no panteão global do horror por ser um monstro de transformação e vampirismo.

  • O Paralelo Brasileiro (A Transmutação Noturna): No folclore do nosso Brasil, o medo da criatura que se transforma à noite para assombrar está ligado a inúmeras lendas. Uma delas, porém, possui semelhanças sutis com a Striga: a lenda da Matinta Pereira. A Matinta, que pode ser uma feiticeira que se transforma em um pássaro noturno (em algumas versões, ela se transforma na coruja branca conhecida como a temida Rasga-Mortalha) ou uma criatura assustadora (com o grito agudo que soa na escuridão, atormentando aqueles que o ouvem, pois sabem que se trata de um prenúncio de morte), é a nossa versão do monstro que exige rituais e astúcia para ser confrontado.

Tanto a Striga eslava quanto a Matinta brasileira são a personificação do perigo que se esconde à noite, frequentemente associadas a maldições e atos antissociais. Elas representam a maldição do medo na escuridão que transcende as fronteiras do folclore.

Se o horror da Striga de Teméria fascinou você, leitor, a maldição da Striga do Folclore irá apavorá-lo.

Continue a Jornada: O Último Desejo

O irônico, cínico e descrente Geralt de Rívia perambula de povoado em povoado oferecendo seus serviços. Em seu caminho vai driblar intrigas, escolher o mal menor, negociar preços, alcançar o confim do mundo e realizar seu último desejo: assim começam as aventuras do bruxo Geralt de Rívia.  'O último desejo' é o primeiro livro da saga do bruxo Geralt de Rívia, seguido por 'A espada do destino', também publicado pela Editora WMF Martins Fontes.  Fenômeno literário que inspirou a criação do game The Witcher.

Para mergulhar de cabeça na caçada que definiu Geralt, você precisa da fonte. O conto "O Bruxo" no livro O Último Desejo é a porta de entrada para a Fantasia Sombria de Andrzej Sapkowski. Nesse livro, o conto O Bruxo vai te mostrar uma representação deliciosamente sombria de uma Striga (se você tem, é claro, estômago para as criaturas sombrias do folclore do leste europeu).

Sua compra ajuda o Cronista destas Terras Selvagens a registrar mais segredos nas Masmorras Perdidas. Que sua lâmina se mantenha de prata! 🗡️


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