O Berrador: Um Uivo nas Trevas
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Que tal tornarmos o Halloween ainda mais arrepiante e culturalmente rico este ano? Adicionando as lendas da América do Sul a este dia tão divertidamente sombrio?
Dando continuidade ao meu pequeno projeto de divulgação do folclore da América do Sul, hoje vou falar sobre uma entidade que assombra as noites brasileiras, fazendo gelar o coração daqueles que, por um motivo ou outro, são levados a estar em lugares ermos na calada da noite... Quem nunca passou por isso? Desde ir até o quintal nos fundos da casa, até atravessar uma rua deserta ou um beco escuro.
Particularmente, eu andei bastante por lugares ermos na calada da noite: na rua, em becos e até mesmo na mata. Fosse voltando do trabalho, da faculdade ou da obra em que eu trabalhava com meu pai na juventude: naquela época eu tive várias experiências assustadoras ao voltar para casa atravessando um bom trecho de mata, pois algumas vezes voltámos para casa bem tarde da noite e até mesmo de madrugada, após um dia exaustivo de trabalho pesado na construção. Por isso eu posso dizer, com certa dose de confiança, que lugares ermos e escuros são realmente assustadores e, um dos motivos para isso, aqui no Brasil, é uma criatura que paira nas sombras, desde tempos remotos.
Eis um convite à escuridão. Preparem-se, amantes do macabro, para uma jornada pelos cantos mais sombrios do folclore brasileiro. Vamos desvendar os mistérios do Berrador, também conhecido como Bradador, uma entidade que ecoa nas profundezas da floresta, um grito que corta a noite e congela o sangue nas veias... Mas espere. Eu disse que esta entidade ecoa nas profundezas da floresta? Sim, certamente que sim, mas isso não quer dizer que ela não possa aparecer em outros lugares, como em um beco escuro, no pátio de um ferro-velho, no estacionamento de um condomínio ou no quintal da sua casa... Sim, isso mesmo: não pense que as paredes da sua casa te manterão em segurança.
Dito isso, vamos em frente...
Raízes ancestrais
Nas profundezas da mata, onde a névoa se esconde e as sombras se esgueiram, ouve-se um uivo que gela a alma. É o Berrador, um espectro que habita as sombras, um eco da mitologia indígena que se funde com as trevas da colonização.
Os povos originários do território que hoje chamamos de Brasil, com sua profunda conexão com a natureza, viam a floresta como um organismo vivo, pulsante e repleto de espíritos. Para eles, o Berrador era mais do que uma criatura assustadora. Era um guardião, um protetor da natureza, cujo uivo era um aviso, um chamado para que os intrusos se afastassem. A floresta era sagrada, e o Berrador, seu feroz defensor.
Existem muitas as possibilidades sobre as origens dessa lenda. Tudo o que vou citar aqui são apenas conjecturas da minha cabeça (e nenhuma delas é embasada em pesquisas de campo):
Por exemplo, há várias espécies de macaco que podem ter inspirado a lenda, como o Bugio. Os gritos do Bugio podem ser escutados a quilômetros de distância. Sem falar nas aves cuja vocalização noturna soa assustadora para os incautos que se arriscam na mata. Por outro lado, creio que as tribos ancestrais saberiam diferenciar entre os gritos dos Bugios, o canto das aves e os berros de uma criatura estranha e misteriosa.
Enfim, a origem exata dessa lenda permanece como mais um dos muitos mistérios típicos de lendas tão antigas e cuja versão conhecida chegou aos dias atuais por meio da tradição oral.
O Mal vindo de Além-Mar
Com a chegada dos colonizadores, a visão da floresta mudou. De sagrada, passou a ser vista como um lugar selvagem e hostil, a ser dominado e explorado. Os espíritos da floresta, como o Berrador, foram demonizados, transformados em criaturas malignas e aterrorizantes.
O Berrador, antes um guardião, tornou-se um caçador de almas, um predador das noites escuras. Suas origens se misturaram com as crenças europeias, dando origem a uma entidade complexa, com raízes tanto na mitologia indígena quanto nas lendas de monstros e demônios.
Não para menos; afinal, as pessoas tendem a refletir no mundo exterior aquilo que elas vem em suas próprias profundezas. Não é por menos que os europeus trouxeram tantos monstros para o novo mundo.
O Uivo que Paralisa o Coração
O Berrador é descrito de formas diversas, mas a característica mais marcante é seu uivo, um som que ecoa na mente e paralisa o corpo. Alguns dizem que seu grito é capaz de arrancar a alma de suas vítimas, enquanto outros acreditam que ele se alimenta do medo humano.
A aparência do Berrador também varia de região para região. Em algumas lendas, ele é descrito como uma figura alta e esguia, com olhos brilhantes e garras afiadas. Em outras, é visto como uma sombra que se move rapidamente pela floresta, deixando um rastro de terror.
Porém, a lenda que antes se confinava às sombras das matas mais profundas agora ecoa nos cantos mais inesperados. O Berrador, também se infiltrou nas cidades, transformando lugares insuspeitos como quintais e estacionamentos em abismos de terror.
A noite que antes era apenas um intervalo entre o dia, agora se tornou um palco para os pesadelos. O som familiar de um cachorro latindo se confunde com o uivo sinistro, e o ranger de uma porta se transforma no som de garras afiadas arranhando o metal. A cada sombra que se move, a cada ruído estranho, o medo se instala e a figura do Berrador se materializa nos pesadelos daqueles que ousam olhar para a escuridão.
Nos condomínios, onde a segurança é uma ilusão, o Berrador encontra um terreno fértil. O silêncio da madrugada é quebrado por um uivo que ecoa entre os prédios, espalhando o pânico e a desconfiança entre os moradores. Os estacionamentos, antes lugares comuns, agora se transformam em labirintos de sombras, onde cada carro estacionado parece esconder uma ameaça. Becos escuros, vielas e ruas sem saída tornaram-se lugares temíveis.
A cidade, que antes era um refúgio, agora se tornou uma prisão. As ruas, antes animadas, agora são percorridas por sombras que se esgueiram pelos becos e vielas. A luz dos postes, que antes iluminava o caminho, agora cria um efeito sinistro, acentuando as sombras e ampliando o sentimento de medo.
E assim, o Berrador continua sua jornada, espalhando o terror por onde passa. Seu uivo é um lembrete constante de que o medo é um companheiro inseparável da humanidade.
O Berrador e os Youkais: Um Paralelo Sinistro
A figura do Berrador guarda semelhanças com os youkais japoneses, espíritos da natureza que habitam florestas e montanhas. Como os youkais, o Berrador é uma entidade ambígua, capaz de ser tanto benéfica quanto maléfica. Ambos são seres ligados à natureza e possuem um profundo conhecimento das forças ocultas do universo.
Já falei um pouco sobre a semelhança entre o folclore brasileiro e as lendas da rica mitologia aborígene do território brasileiro (e também de toda a América do Sul) com o folclore japonês que é extremamente ligado ao xintoísmo. Se quiser ler sobre isso, basta acessar esse post.
O Medo e a Fascinação
O Berrador é mais do que uma simples lenda. Ele representa o medo do desconhecido, a fascinação pelo sobrenatural e a conexão profunda que temos com a natureza. Sem falar no medo que temos de lugares ermos após o cair da noite: ainda que esse lugar ermo e escuro seja o corredor da nossa casa, o nosso quintal, o estacionamento ou a nossa rua. Quem consegue evitar sentir uma ponta de medo desses lugares nas madrugadas escuras e silenciosas? Quando, por algum motivo, somos obrigados a cruzar estes lugares nas horas mais sombrias e ouvimos um terrível uivo, sentimos um arrepio percorrer nossa espinha, e somos tomados por uma sensação de que algo sinistro se esconde nas sombras.
A Aparência Evasiva do Berrador
A lenda do Berrador, por sua própria natureza, é intencionalmente vaga quando se trata da aparência física da criatura. A falta de descrições detalhadas é parte do que torna a figura tão aterrorizante.
No entanto, algumas descrições comuns surgem nas diversas versões da lenda:
- Uma criatura híbrida: Muitas vezes, o Berrador é descrito como uma criatura híbrida, com características de diferentes animais. Poderia ter os olhos de um coruja, as garras de um felino, o corpo peludo de um animal selvagem e a altura de um homem. Essa mistura de características aumenta o senso de estranheza e repulsa.
- Uma sombra: Em outras versões, o Berrador é descrito como uma mera sombra, uma entidade intangível que se move entre as árvores e os prédios. Essa falta de forma física o torna ainda mais aterrorizante, pois sugere que ele pode estar em qualquer lugar e em qualquer momento.
- Uma transformação: Algumas lendas sugerem que o Berrador não tem uma forma fixa, mas sim que se transforma conforme a imaginação de quem o vê. Assim, cada pessoa que o encontra tem uma visão diferente da criatura, o que torna a lenda ainda mais poderosa.
Como Sobreviver a um Encontro com o Berrador
Para começar, não sei se é possível sobreviver a um encontro com essa entidade. Mas quem sabe? A esperança é a última que morre, não é mesmo?
Quando o assunto é o Berrador, algumas precauções podem ser tomadas:
- Evite lugares isolados: O Berrador prefere a escuridão e os lugares ermos;
- Não responda ao chamado: Se ouvir um uivo, resista à tentação de responder, ou de olhar na direção da criatura;
- Procure abrigo: Se estiver perdido na floresta, encontre um lugar seguro e aguarde até que o perigo tenha passado. Se estiver na cidade, procure por ajuda, ou corra para se proteger em uma casa ou algum estabelecimento comercial que por ventura, possa encontrar aberto enquanto foge desse terrível perseguidor;
- Reze, seja lá para quem for: A fé pode ser uma poderosa arma contra as forças das trevas. Não importa qual seja a sua religião.
Um Legado que Perdura
O Berrador é mais do que uma simples história de terror. Ele é um reflexo da nossa relação com a natureza e com o desconhecido. É um lembrete de que, mesmo em um mundo moderno e tecnológico, as forças da natureza continuam a exercer um fascínio sobre nós.
E você, está pronto para enfrentar o Berrador?
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