Carta Para um Sábio Engenheiro

Representação abstrata de uma cidade cujas ruas tornaram-se rios

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Olá Sr. João;

Como tem passado?

Semana passada foi bastante movimentada nos arredores de sua terra. Passei por Cinzalópolis na última segunda (10/02/2020) e vi que a tempestade que começara no domingo seguia firme e forte com seu ímpeto; sem dar sinais de querer ceder. Como consequência, muitos bairros amanheceram debaixo d'água.

Visto o estado em que as pessoas deixaram seus rios, córregos, e de todo asfalto impermeável com que cobriram suas ruas, não é de admirar que as coisas tenham ficado um tanto quanto... Úmidas para os citadinos.

Passei o dia por lá, observando como os trapalhões dos Homo "Sapiens" lidavam com aquela situação.

E para meu estarrecimento, perdi a conta de quantas vezes os noticiários falaram em "as chuvas castigam a cidade tal" e "as chuvas não param de castigar lugar tal e tal".

Ora, Sr. João, o que aqueles trogloditas querem dizer com "chuvas castigando" e "chuvas castigam"? Desde quando chuva é um castigo. Lembro de uma seca pela qual seus habitantes passaram alguns anos atrás e, naquela época, dariam qualquer coisa por uma chuva como a de domingo para segunda. Mas, a memória dessa espécie parece ser muito curta e por tanto eles não devem se recordar do motivo pelo qual as chuvas são tão necessárias e desejáveis.

Mas, apesar do estrago que as chuvas causaram — por culpa deles próprios, diga-se de passagem —, tenho certeza que o senhor e os seus empreendimentos não sentiram-se castigados por chuva alguma. Afinal, você sempre soube harmonizar as suas obras à natureza. E como poderia ser diferente? Afinal, todos fazem parte da natureza e, querer ir contra isso é que traz calamidade.

Aqueles bufões cimentaram os rios e esperaram com isso que os rios deixassem de ser rios? Quem eles pensam que são para querer mudar a natureza do que quer que seja? Não conseguem mudar nem a sua própria, quem dirá mudar a natureza de um Tietê, ou de um Pinheiros? Estes são dois dragões d'água que precisam ser respeitados (mas como não recebem o devido respeito, vingam-se como só os dragões d'água sabem vingar-se).

Enfim. Escrevo para o senhor como um desabafo. Sei que você também deve ter dado boas risadas nesta referida segunda, ao acompanhar os noticiários.

Sabe senhor João de Barro; acredito que você tem muito a ensinar para estes primitivos citadinos. Pena que eles sejam arrogantes de mais para aceitar isso e deixem de aproveitar tudo o que um sábio engenheiro tem para oferecer.

Cordialmente, do seu amigo, o Ogro Montês.