Uma Introdução Sombria aos Tengu do Folclore Japonês
Ah, meu caro leitor ou leitora, deixa as luzes elétricas de lado, acenda uma vela e puxe a cadeira para mais perto. As sombras da noite parecem dançar de forma mais intensa lá fora, e o vento sussurra segredos antigos pelas frestas. Aqui, neste meu pequeno covil digital, onde me perco entre os tomos empoeirados de O Rei de Amarelo e as sagas épicas de As Crônicas de Gelo e Fogo, sempre há espaço para desvendar um mistério. Hoje, minha mente inquietante paira sobre as brumas das montanhas japonesas, onde uma figura de poder e paradoxo reside: o Tengu. Desse modo, vou começar esta semana uma série de posts sobre este formidável Yokai.
Para um espírito como o meu, que encontra beleza no gótico e a adrenalina na espada e feitiçaria, o folclore japonês é um verdadeiro banquete. Não se trata apenas de criaturas fofas ou espíritos amigáveis; há algo mais profundo, mais... visceral. E o Tengu, ah, o Tengu é a epítome disso. Eles não são meros contos para assustar crianças; são entidades complexas, seres que desafiam a nossa compreensão de bem e mal, de natureza e artifício. São os guardiões silenciosos das florestas mais densas, os mestres brutais de saberes proibidos, e um pesadelo ambulante para qualquer um que ouse cruzar seu caminho desrespeitosamente.
Prepare-se para embarcar nesta primeira etapa de nossa jornada, onde desvendaremos os primeiros véus sobre esses Senhores Alados das Montanhas. Afinal, toda boa história de terror começa com uma descrição arrepiante.
O Enigma Alado das Montanhas: Uma Introdução Sombria aos Tengu do Folclore Japonês
Imagine-se caminhando por uma trilha em meio a uma floresta milenar no Japão. O ar é pesado, úmido, com o cheiro de pinho e terra molhada. Folhas secas crepitam sob seus pés, e o sol mal penetra a densa copa das árvores. De repente, você sente um arrepio na espinha, uma sensação gelada de estar sendo... observado. Não é um animal, não é um humano. É a presença de algo que transcende o mundano, algo que pertence a outro domínio. É muito provável que você esteja sob o olhar penetrante de um Tengu (天狗) – os “Cães Celestiais” ou “Cães do Céu”. E, acredite, para um fã de Kwaidan e Clássicos Japoneses Sobrenaturais, essa é a melhor e a pior sensação do mundo.
Vislumbres na Penumbra: Como Eles Se Apresentam?
Os Tengu não são uma massa homogênea de terror, meu caro. Eles são tão diversos quanto as almas perdidas que vagam pelas florestas. Suas aparências podem variar, Mas as descrições mais perturbadoras e icônicas se dividem em duas categorias principais, que me fazem lembrar de uma das primeiras criaturas que criei para minha saga de espada e feitiçaria (embora não tenha pensado nos Tengu conscientemente quando criei as Harpias das Colinas Brancas para meu Universo Fantástico, eu diria que fui influenciado inconscientemente pelas obras orientais que eu consumia na minha adolescência: tenho até hoje os originais escritos à mão sobre elas, criaturas misteriosas e letais que habitam as colinas de uma região erma):
Karasu Tengu (烏天狗 - Tengu Corvo): Esta é, para mim, a forma mais primordial e, talvez, a mais perturbadora. Pense em um ser que é uma fusão grotesca e majestosa. Um corpo humanoide, muitas vezes musculoso e esguio, coberto por penas escuras, mas com a cabeça... a cabeça é de um corvo. Um bico afiado como uma lâmina, olhos negros e inteligentes que parecem ver através da sua alma, e garras longas e terríveis. Suas asas, vastas e negras como a própria noite, permitem um voo silencioso e incrivelmente rápido. São os mais associados à natureza selvagem e indomável, à astúcia e, por vezes, a uma crueldade desapaixonada. Eles são os batedores, os emissários, os guerreiros implacáveis das profundezas da floresta. Ver um Karasu Tengu no escuro de uma noite na montanha faria até mesmo Conan o Bárbaro se perguntar se o hidromel valeria o risco.
Yamabushi Tengu (山伏天狗 - Tengu Eremita da Montanha) ou Daitengu (大天狗 - Grande Tengu): Esta é a figura que você provavelmente já viu em máscaras de festivais ou em peças de teatro Noh e Kabuki. Mais humanoide, mas com uma característica inconfundível que me faz pensar em um soco bem dado no nariz: um nariz desproporcionalmente longo. Seus rostos são tipicamente vermelhos, com uma barba imponente e uma expressão que transita entre a severidade e o capricho. Eles se vestem com os trajes dos
yamabushi, os monges ascetas das montanhas que praticam o Shugendo – uma fascinante e por vezes assustadora mistura de budismo, xintoísmo e animismo. Carregam o tokin (um pequeno gorro preto) e um manto característico. Frequentemente, portam um leque de penas (uchiwa ou ha-uchiwa), que pode invocar ventos poderosos, e uma katana ou tachi, pois são exímios guerreiros. Os Daitengu são os líderes, os mais poderosos e sábios da espécie. Eles não são brutais por impulso; eles são brutais por escolha, para testar, para ensinar lições dolorosas. Pense neles como os mestres sombrios que, se estivessem em um universo de espada e feitiçaria, treinaram o próprio Elric de Melniboné.
Independentemente da forma, os Tengu compartilham um orgulho imenso, um temperamento volátil e um poder que desafia a compreensão humana. Habitam os picos mais altos e as florestas mais remotas do Japão, preferindo os locais onde a névoa é um véu constante e a presença humana é uma heresia. São conhecidos por sua habilidade de voar, seu domínio sobre a arte da espada e seu conhecimento profundo de estratégias militares e artes marciais. Mas não se engane: por trás da sabedoria, há sempre uma pitada de malícia, um senso de humor, digamos, ácido, e um prazer em desestabilizar a ordem.
De Onde Vêm Essas Criaturas Aladas? A Origem no Labirinto do Tempo
A história dos Tengu, meu caro(a) aventureiro(a), não é uma linha reta, mas um emaranhado de influências culturais e religiosas, tão complexa quanto a psique de um personagem de um bom mistério gótico. Sua origem não é puramente japonesa, mas sim uma fusão fascinante que começou em terras distantes, no coração da China antiga.
O termo "Tengu" japonês deriva do "Tiangou" (天狗 – "Cão Celestial") chinês. No folclore chinês, o Tiangou era uma criatura mítica que, diferentemente do Tengu japonês, era retratada como um cão parecido com um cometa ou um meteoro. Associado a eventos celestes como eclipses e a fenômenos naturais como terremotos, o Tiangou podia ser tanto um ser benéfico quanto um presságio de desgraça. Uma anomalia cósmica que aterrorizava e, por vezes, fascinava.
Quando o Budismo e outros conceitos chineses começaram a ser importados para o Japão nos séculos VI e VII, a ideia do Tiangou também viajou. No entanto, em solo japonês, a criatura começou a se transformar de forma... peculiar. A imagem de um "cão voador" ou "meteoro" foi gradualmente associada a aves de rapina – corvos, águias e falcões – talvez pela sua natureza predatória, pela capacidade de voo e pela silhueta imponente contra o céu.
Nos primeiros textos japoneses, os Tengu eram retratados de forma muito mais malevolente. Eram considerados demônios traiçoeiros, ilusionistas e arautos de desastres. Eles se deleitavam em causar problemas, incendiar templos, sequestrar monges e até possuir pessoas para espalhar discórdia e caos. Eram, em essência, uma ameaça ao budismo e à ordem social, uma espécie de "maligno arcano" que rondava as montanhas, pronto para corromper e destruir.
Contudo, a imagem dos Tengu evoluiu, tornando-se mais matizada, talvez até mais aterrorizante em sua complexidade. Com a ascensão do
Shugendo, a prática ascética das montanhas, os Tengu começaram a ser vistos não apenas como demônios, mas como espíritos guardiões das montanhas, mestres ascetas e, por vezes, até seres que poderiam guiar e treinar humanos. Essa transformação é o que os torna tão fascinantes para quem, como eu, gosta de explorar as zonas cinzentas da moralidade e da existência. Eles não são meramente "bons" ou "maus"; eles são a própria personificação do poder indomável da natureza e do lado selvagem da iluminação.Eles são um mistério, um paradoxo e uma fonte inesgotável de histórias. Mas esta é apenas a ponta do iceberg, meu caro(a) leitor(a). Em nossa próxima incursão, vamos mergulhar mais fundo nos pergaminhos antigos, descobrindo em que textos clássicos os Tengu deixaram suas marcas e como sua sociedade alada é estruturada. Prepare-se, pois o passado tem muito a nos revelar.
Continua na Parte 2: Ecos Ancestrais: Os Tengu nos Textos Clássicos e a Hierarquia dos Senhores das Montanhas.
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