Uma das leituras que não deixei faltar durante o grande apagão sofrido na capital e arredores na última sexta e que ainda afeta muitas pessoas ainda nesta terça-feira (dia 7/11/2023), foi a leitura de Histórias Sobrenaturais de Rudyard Kipling. Afinal, ainda era semana de Halloween e, mesmo que não fosse, o Natal se aproxima e todos sabemos que esta é a época ideal para ler histórias de Fantasmas... Se bem que, aqui no Blog, a época ideal para temas sombrios é durante o ano todo, não é mesmo?
Sei que já falei sobre a obra de Kipling aqui no blog antes, mas não custa reforçar que ele foi um dos maiores escritores da língua inglesa, famoso por obras como “O Livro da Selva” (também conhecido como Mowgli ou Mogli), “Kim” e o famoso poema “Se”. No entanto, o que poucos sabem é dos seus contos sobrenaturais. Mas ele também escreveu contos divertidos e sarcásticos e que estão contidos até mesmo nessa coletânea que fala sobre fantasmas, que retratavam a vida na Índia colonial e no exército britânico. Um desses contos é “Tick Boileau Rapa a Mesa”, publicado pela primeira vez em 1885, quando Kipling tinha apenas 20 anos.
Esse é um daqueles contos sobre fantasmas em que ficamos pensando sobre o assunto... E creio que precisarei ler o conto uma segunda vez para desanuviar algumas dúvidas. Como sei que o personagem Tick Boileau é apresentado em outros contos do autor, talvez eu consiga mais pistas para as minhas dúvidas depois que ler estas outras histórias.
Nesse conto, conhecemos o personagem que dá título à história, Tick Boileau, um oficial recém-chegado ao 45º Regimento de Cavalaria de Bengala (regimento este apelidado de “Hornet” ou Vespões). Tick é um sujeito mais velho que os demais oficiais ainda jovens. Ele é descrito como feio e endividado. No entanto não é por esse motivo que ele logo desperta a antipatia dos seus colegas de farda, mas sim pelo fato dele ser "sonso", aparentando ser inepto em muitas áreas nas quais acaba se revelando um verdadeiro mestre, como bilhar, equitação, banjo e tênis. E ele usa essas habilidades para enganar e humilhar os outros oficiais, pois após fingir ser um novato, ele revela seu talento (ganhando apostas ou simplesmente ridicularizando seus colegas que se achavam melhores que ele). Convenhamos que isso na verdade, dizia muito a respeito dos colegas de Tick também; uma gente orgulhosa e arrogante.
O conto é narrado por um dos oficiais enganados por Tick, que conta com humor e indignação as peripécias do trapaceiro. Ele relata como Tick venceu todos os jogos de bilhar, como ele montou um cavalo selvagem, como ele tocou banjo melhor do que qualquer um e como ele derrotou o campeão de tênis do regimento. E ele também conta como Tick se aproveitou da sua fama para seduzir as mulheres e ganhar dinheiro.
A verdade é que Tick Boilear Rapa a Mesa mostra-se uma verdadeira sátira à arrogância e à ingenuidade dos oficiais britânicos na Índia, que se achavam superiores aos nativos e aos recém-chegados. Tick Boileau é uma espécie de anti-herói, que usa sua inteligência e sua astúcia para se vingar dos seus opressores e se divertir às custas deles. Ele é um personagem ambíguo, que ao mesmo tempo desperta admiração e repulsa.
O aspecto fantasmagórico do conto envolve uma história pessoal narrada pelo próprio Tick aos seus colegas do Hornet. Só lendo o conto mesmo para sentir na pele pelo que estes colegas passaram ao ouvir o relato.
Seu título original em inglês é “The Unlimited ‘Draw’ of ‘Tick’ Boileau”. A palavra “draw” significa tanto “empate” quanto “saque” (de arma ou de dinheiro). O título brinca com o fato de que Tick sempre empata os jogos de bilhar e depois os vence no saque final, e também com o fato de que ele vive sacando dinheiro dos seus credores.
Pelo que li a respeito, Kipling se inspirou em uma história real que ouviu de um amigo, que por sua vez conheceu um oficial chamado Boileau que era um excelente jogador de bilhar e que enganava os outros oficiais. Kipling acrescentou os outros elementos do conto, como o banjo, o tênis e as mulheres e o elemento fantasmagórico, para tornar a história mais divertida e variada.
O conto faz parte de uma coletânea chamada “Quartette”; uma colaboração entre todos os quatro Kiplings que viviam em Lahore, incluindo poemas de Alice MacDonald Kipling (dois poemas), Lockwood Kipling (quatro histórias), Alice Kipling (poemas e um conto) e Rudyard Kipling (cinco poemas e três histórias). Você pode ler mais sobre essa publicação no site Scalar.
O Quartette foi lançado como um presente de Natal para os leitores do jornal “The Civil and Military Gazette”, onde Kipling trabalhava. O fato de ter sido lançado no natal diz muito sobre o motivo de as histórias de Kipling ali presentes serem sobre fantasmas.
Se você se interessou por Kipling e sua obra, fico muito satisfeito e deixo uma dica: se quiser ler o conto na íntegra, você pode acessar o site Scalar. Se você quiser saber mais sobre Rudyard Kipling e suas obras, você pode visitar o site Newstatesman.
Também recomendo a coleção Histórias Sobrenaturais de Rudyard Kipling em português: a coleção é maravilhosa.
Até o próximo fantasma 👻
Comentários
Postar um comentário