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Finalmente o inverno chegou (ao menos aqui de onde escrevo esse pequeno post). Volta e meia eu alerto sobre as noites cada vez mais longas e para os riscos de se aventurar na escuridão. Hoje, por tanto, o aviso é especial, pois a noite será a mais longa do ano aqui no Hemisfério Sul do planeta.
Em termos técnicos, o Inverno deste ano tem início no dia de hoje (21 de junho de 2023) às 11h58 (horário de Brasília) e terminará em 23 de setembro de 2023, com o equinócio da primavera.
No Hemisfério Sul o inverno caracteriza-se pelas temperaturas mais baixas, dias mais curtos e noites mais longas.
As regiões Sudeste e Sul do Brasil são as mais marcadas pelas características típicas do inverno, sendo que no restante do país as temperaturas são mais equilibradas, com pouca variação térmica.
Segunda a mitologia guarani, a chegada do inverno no Hemisfério Sul é marcado pelo surgimento da figura da Ema no céu, ao leste, no anoitecer, na segunda quinzena de junho. Esta constelação é limitada pelas constelações de Escorpião e do Cruzeiro do Sul, ou Cut'uxu. Segundo o mito guarani, o Cut’uxu segura a cabeça da ave para garantir a vida na Terra, porque, se ela se soltar, beberá toda a água do nosso planeta. Os tupisguaranis utilizam o Cut'uxu para se orientar e determinar a duração das noites e as estações do ano.
A ilustração a seguir é uma representação dos corpos celestes que constituem a constelação da Ema, na percepção indígena.
Quem mora aqui na região Sudeste (de onde escrevo) sabe que tivemos uns dias bem frios neste final de outono, mas os especilistas acreditam que os próximos dias serão de temperaturas mais agradáveis apesar do início oficial do inverno. O El Niño que está se formando este ano é o responsável pela crença dos especialistas em um inverno com temperaturas mais altas e eles não devem estar errados, pois já testemunhamos algo parecido com o El Niño que se formou em 2016.
Mas, apesar do El Niño e de uma promessa (ainda vaga) de um inverno com temperaturas mais amenas, devo dizer que o inverno está cada vez mais frio; mas não falo do inverno climático, falo de um inverno cultural, espiritual e social, no qual o coração das pessoas está cada vez mais frio e insensível para as coisas importantes. Além disso, é preciso lembrar que o El Niño significa um aumento global das temperaturas do planeta e isto significa mais eventos extremos, como inundações e tempestades, deslizamentos de terra e até mesmo frio extremo em alguns lugares. Não seria preciso lembrar que esses eventos extremos invariavelmente estão relacionados à mortes de pessoas, sem falar em desiquilibrio dos ecosistemas naturais.
Talvez seja apenas a minha percepção que esteja errada e distorcida, pois quando olhamos para as catástrofes naturais à nossa volta somos invadidos por um sentimento de pessimismo em relação às pessoas (que apesar de terem um poder imenso para proteger a natureza, são ironicamente uma das maiores catástrofes que já caminhou sobre a face da Terra). Por outro lado, há muitas pessoas que ainda se importam com as coisas importantes e, talvez (apenas talvez) a quantidade de pessoas preocupadas com o que realmente importa aumente a cada dia na medida em que se afastam de uma cultura predatória e insensível com a natureza representada por seus pais e avós.
O solstício de inverno é uma data propícia para refletir não apenas sobre o frio (e o que fazer de bom nesta estação em termos culturais), mas também para olhar para as sombras em nós mesmos e nos analisarmos, estudarmos nossos anseios e desejos e sobre a nossa percepção de mundo.
Em termos culturais e religiosos, essa é uma data com grande importância cultural na história de diversos povos desde a antiguidade e diversas culturas antigas geralmente realizavam celebrações e festivais ligados às suas religiões nesta data.
Para os chineses, o solstício de inverno chama-se dong zhi (chegada do inverno) e é considerado uma data de extrema importância em que festejam a passagem de ano.
Entre os romanos os festivais eram muito populares e marcavam a Saturnália; uma homenagem ao deus Saturno. Muitas divindades ligadas ao Sol eram celebradas no solstício de inverno, por exemplo o deus persa Mitra (cultuado também em Roma) teria nascido durante o solstício de inverno segunda a crença.
Nos tempos atuais esta data é revivida na celebração do Sabbat Neopagão Yule. Que revive algumas antigas tradições religiosas dos povos europeus pré-cristãos. No Blog da editora DarkSide há um post muito legal explicando a Roda do Ano com as celebrações do calendário pagão e eu recomendo a leitura para quem se interessa pelo assunto.
Segundo o blog da editora Darkside, o Yule é o festival que marca o solstício de inverno. No hemisfério norte ele costuma ser celebrado junto do Natal, mas aqui no hemisfério sul isso não acontece, pois conforme expliquei (e a maioria de nós já sabe) o inverno aqui (no hemisfério Sul) começa em Junho e não em Dezembro. Na verdade o Yule aqui está mais próximo das nossas festas juninas pela época do ano. Acredita-se que o Yule seja a festa sazonal mais antiga da Europa pré-cristã.
Ainda segundo a editora, Yule significa “roda” em norueguês e a data também é conhecida como festival das luzes, por causa do costume de acender várias fogueiras, tochas e velas nesta noite. Qualquer semelhança com as nossas fogueiras de São João não devem ser mera coincidência.
Uma das religiões modernas que comemoram o Yule é a Wicca. Esta é uma religião neopagã (ou pagã moderna) influenciada por crenças pagãs antigas (ou crenças pré-cristãs europeias), ou seja, crenças e práticas ritualísticas da Europa ocidental anteriores ao aparecimento do cristianismo, que afirmam a existência do sobrenatural (como a magia) e os princípios físicos e espirituais femininos e masculinos que interagem com a natureza, e que celebra os ciclos da vida e as festividades sazonais conhecidos como sabás (ou calendário Roda do Ano), os quais ocorrem, normalmente, oito vezes por ano. Esta prática quase desapareceu por completo durante o período da Idade Média. Alguns explicam a Wicca apenas dizendo que se trata de uma forma de bruxaria moderna, mas o termo bruxa e bruxaria foi a roupagem que a igreja católica usou para "demonizar" os cultos e tradições pagãs, a fim de afastar as pessoas dessas crenças e ao mesmo aproxima-las do catolicismo. Sendo assim eu não gosto muito de dizer que Wicca trata-se simplesmente de bruxaria, a menos que eu esteja falando com pessoas que não falam mal das bruxas e que de preferência respeitam sua sabedoria e seu vinculo com a natureza e com os espíritos.
Segundo a Wicca, o Yule marca um ponto importante de sua cosmologia, já que é nessa data que o Deus Sol, chamado de a Criança da Promessa, nasce a partir da Deusa. Com isso, pouco a pouco o inverno começa a ser afastado do planeta, migrando, assim, para a outra metade do globo terrestre.
Os povos da Europa pré-cristã, chamados pelos católicos de pagãos, tinham grande ligação com a data do Solstício de Inverno.
No Santa Maria, na cidade de Oz (também conhecida por Osasco pela população comum), é possível ver um incrível por do Sol nesta data, mas infelizmente eu só piso nas ruas desse bairro nas horas escuras da noite (saio antes de o sol nascer e volto apenas após ele já ter se posto). Sendo assim, não terei a oportunidade de registrar esse momento pessoalmente hoje. Mas deixo abaixo, apenas como referência, um por do sol que registrei em 31 de Julho de 2022 lá no Santa Maria.
31 de Julho de 2022, Santa Maria, Oz (vista do residencial Leques Farrpados) |
Aviso também a todos que nesta noite os Anhangás terão mais tempo de fazer sua ronda pelas ruas agitadas e becos escuros desse estranho bairro. As criaturas sombrias, normalmente entocadas nos bosques, nos bueiros, nos córregos e nas praças e parques arborizados, saírão para comemorar a noite mais longa do ano e a escuridão extra que terão ao seu dispor.
Fantasmas e espíritos também festejarão as sombras. E os monstros se fartarão em banquetes sangrentos para aquecerem suas barrigas em uma noite longa e fria.
Hoje certamente não é uma noite propícia para às pessoas. Não para as comuns; ao menos eu gosto de crer nisso. Não em certas ruas e becos do Santa Maria, em Oz. Eu pelo menos evitaria andar em uma estrada, chamada Terra das Ossadas. A r. Ádito das Sete Valas também é um lugar que eu evitaria, apenas para citar alguns lugares.
Vocês podem estar pensando enquanto lêem este post "mas se para as culturas pagãs" o Yule ou o Solstício de Inverno é uma comemoração repleta de conotações positivas e alegres, o autor deste Blog está evidênciando aspectos negativos ao falar das ameaças que os seres sombrios representarão nesta noite, tal como a igreja católica costumava fazer na idade média.Mas isso não é verdade. Acontece que há uma questão de ponto de vista nessa percepção e interpretação dos fatos. Acontece que a verdadeira ameaça, os verdadeiros monstros; do meu ponto de vista, são justamente as pessoas (sobretudo as pessoas comuns, que ao longo de séculos ou até milênios se afastaram de sua verdadeira natureza e esqueceram o caminho que leva às esferas espirituais).
Essas pessoas, as mesmas que infestam hoje o mundo como uma praga de gafanhotos esfomeada e devastadora, buscam segurança na luz e se temem a escuridão e os mistérios que esta guarda e que eles não conseguem compreender. Então, do meu ponto de vista (e de muitos como eu), é de se esperar que a noite mais longa do ano seja uma data de esperança para as criaturas das sombras, que por tanto tempo colocaram limites à espécie humana.
Por isso eu comemoro a noite mais longa do ano, pois é a data na qual as criaturas da noite vestem seu manto de escuridão por mais tempo para por medo nos verdadeiros monstros.
Mas, independente de qual seja o viés de sua crença (seja sua fé baseada em alguma religão moderna; como a Wicca ou como a Ciência, ou em alguma religão antiga; como o Catolicismo ou o Xintoísmo, etc), saiba que hoje é um dia propício para rituais, para ler um bom livro, para comungar com seus familiares ou com os espíritos ou ainda para simplesmente dormir mais (dormir e sonhar com outros mundos e outros seres e tentar aprender algo útil que possamos trazer para o nosso próprio mundo e convívio social).